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862- Idade e Bioética

A pandemia atual trouxe considerações sobre a idade das pessoas de interesse da Bioética. De modo simplificado, os efeitos do novo coronavírus distribuem-se de modo distinto nas  várias faixas etárias.

Há muitos termos usados para indicar o momento cronológico do ser humano. O período gestacional  tem uma apreciação isolada, conta-se por meses e os habituais nove meses de vida inter-uterina desaparecem, ou seja, o nascimento é o marco zero da idade de cada um de nós. Há uma série de aspectos da idade gestacional  que atraem a Bioética e são subdivididos nos três trimestres clássicos, envolvendo identificações genéticas, manipulações genéticas, teratogênese, abortamento, a chamada barriga de aluguel, procedimentos terapêuticos, anencefalia, pesquisa clínica.

Após o nascimento, há uma infinidade de termos para designar o tempo de vida da pessoa: recém-nascido, bebê, criança, infância, primeira infância, segunda infância, pré-adolescente, adolescente, jovem, adulto, meia idade, idoso, terceira idade, ancião, velhice extrema, centenário. IdadeAfora eufemismos, eu, por exemplo, me identifico como número baixo de CRM, outros como experientes, bem vividos. A medicina subdivide em neonatologia, pediatria, hebiatria, geriatria.

A Bioética lida com a inevitabilidade do envelhecimento, quer com a sua promoção e qualidade – fatores relativos à mortalidade infantil, vacinação, prevenção de doenças, beneficência, não maleficência, inovações tecnocientíficas, aspectos ambientais e sociais-, quer com a dignidade das faixas etárias maiores- ênfase na terminalidade da vida, ortotanásia, diretivas antecipadas de vontade.

A  preocupação da Bioética com a passagem do ser humano através do tempo, mais com a senescência – envelhece-se a partir do primeiro choro- do que com o número de anos, ou seja, com a ascensão e o declínio das funções, reflete-se no princípio da autonomia. Pelas características dos cuidados contemporâneos com a saúde, pensar em autonomia inclui cogitar sobre beneficiência/não maleficência.
Há muitas decisões a serem tomadas ao longo da vida a respeito de retardo no envelhecimento biológico,  extensão do número de anos de vida, interpretação de qualidade de vida. Parte delas ocorre na beira do leito, ou seja, estão no âmbito da medicina e ciência afins. As aplicações pelos profissionais da saúde devem ser autorizadas, emergência à parte,  pela própria pessoa-paciente ou por alguém em nome dela.
A capacidade cognitiva exigida para dar validade à escolha no âmbito do consentimento livre e esclarecido como expressão do direito à autonomia pelo paciente está relacionada com a faixa etária. A criança depende do responsável, o adulto é um agente autônomo, o adolescente fica numa transição sujeita a interpretações éticas e legais. A eventual perda da capacidade cognitiva pode ocorrer na vida adulta e exigir a participação de um representante. Os mais idosos sofrem o potencial do ageismo, o preconceito etário incidente sobre várias realidades da velhice entre nós.
Além da capacidade individual do exercício da autonomia, a Bioética aprecia a proximidade interpessoal no ecossistema da beira do leito como fator de influência sobre o Sim ou Não do paciente. A Bioética da Beira do leito divide em dois tipos de proximidade: a primeira é da medicina e ciências da saúde em geral e a segunda é dos circunstantes.
A proximidade da medicina para a tomada de decisão pelo paciente inclui o médico e os profissionais da saúde em geral com suas informações e esclarecimentos diretamente ao paciente e os acessos a fontes escritas (Dr. Google, por exemplo). Esta proximidade da medicina com seus prós e contras dá a base tecnocientífica para ser compartilhada pelos desejos, preferências, valores e objetivos do paciente, e assim ajuizar com pureza autônoma potenciais de benefício e malefício para sustentar a decisão.
A organização ética atual do processo de tomada de decisão na beira do leito permite que a mais adequada recomendação alinhada ao estado da arte da medicina e afins possa ser rejeitada pelo paciente sem obrigação de expor justificativas, embora assuma responsabilidades sobre consequências imediatas (quadro clínico) e tardias (prognóstico) pelo eventual não consentimento.
A proximidade com circunstantes funciona como um teste do exercício da autonomia de fato. Familiar, amigo, colega são em princípio leigos em medicina, mas capazes cognitivamente para apreciar as informações via paciente e, além disto, conhecedores do caráter, personalidade e temperamento do paciente. Vale dizer, constituem ouvidos e bocas disponíveis para por solicitação ou por iniciativa, opinarem. Evidentemente, esta participação carrega o potencial de a tomada de decisão do paciente tornar-se mais apoiada numa heteronomia de circunstantes. Eventuais graus de autodependência do paciente a opiniões dos circunstantes guardam um componente etário, ou seja, aspectos culturais, sociais e econômicos incidentes nos idosos podem reduzir ou mesmo abolir a expressão de vontade do paciente.Fonte
A Bioética da Beira do leito entende que qualquer discussão sobre autonomia, paternalismo brando e beneficência não pode desconsiderar  os dois tipo de proximidade articulados com faixas etárias, com maior representatividade de polêmicas na chamada terceira idade. A medicina contribui para a maior expectativa de vida do jovem com alta aceitabilidade  – e exigência- da sociedade em geral e, uma vez conseguido o propósito da maior longevidade, o agora idoso enfrenta não somente a degenescência física e mental, como também a sua má classificação em escores de risco médico e sócio-econômico. Apesar dos sonhos de uma fonte da juventude desde a mitologia grega, passando pelo navegador e governador  Juan Ponce de León (1474-1521), atingir a imortalidade exige que se morra.

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