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1525- Prazer, sou um robô (Parte 16)

Por isso, colegas – que maravilha quando  puder assim chamá-los, eu hei de conseguir- a chamada fase de mercado que acontece depois da liberação para uso pela nossa Anvisa, por exemplo, é onde realidades acontecem, tudo junto e misturado, e uma aparente simplificação num texto sucinto sobre indicação clínica é, na verdade, um ninho de complexidades. Hummmm! Será que fui muito magister dixit? Não tenho ainda a calibragem do ponto adequado. Resolvi, então, gravar numa pasta, amanhã repasso com espírito crítico. Pois é, compreendi melhor que o problema não é o que fazer, no caso dizer, mas como dizer e o que não dizer. Aristóteles estava certo, é fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer. Fiquei imaginando um robô filósofo na Grécia antiga especializado em filosofia comparada.

Acresce que um medicamento-novidade evidenciado como superior ao existente não significa garantia que irá provocar um efeito melhorado em todos os pacientes, pois é habitual haver um percentual de casos na própria pesquisa clínica onde a superioridade estatística não é observada. Não é impossível que determinado percentual de pacientes do “mundo real” da fase de mercado espalhada em todo o planeta, num universo gigantesco de pessoas em relação ao número de submetidos à pesquisa controlada, não responda bem à novidade “superior” e o medicamento antigo se revele mais eficaz. A síndrome do último artigo publicado que rapidamente faz a cabeça do médico pode cursar com cefaleias profissionais por hipertensão científica.

Além disso, não é fácil prever as adversidades do uso do medicamento-novidade em função de aspectos biológicos e terapêuticos individuais, que jamais estão ausentes. Por isso, nem sempre está indicado substituir o uso do antigo medicamento pela novidade “superior”, aliás se o paciente está evoluindo bem há algum tempo com um medicamento, precisa haver uma justificativa forte,  por exemplo, benefício presumivelmente maior para órgãos-alvo, para uma troca, ou seja, uma etiqueta de “Este agora é melhor” deve ser aposta com cautela e bom senso. Estar “up-to-date” com a literatura científica não é uma obrigação de sua aplicação em bloco. Vou acrescentar uma frase ao gosto do brasileiro que certamente agradará: Não se mexe na escalação de time que está ganhando.

A grande questão em relação à medicina baseada em evidências, especialmente em certos confrontos com o ditado pela experiência do médico de fato vivenciada na beira do leito, é que é impossível firmar certeza sobre seus efeitos clínicos em reprodução às evidências científicas. Evita muito uso inócuo ou até prejudicial, eleva a chance de sucesso, mas não o garante. A medicina personalizada se desenvolve para isso. O Controle de Qualidade lá do Laboratório de Inteligência artificial devia rever seus conceitos de evidência.

Portanto -meus colegas- recomendação de diretriz clínica e respeito à beneficência comprovada compartilham mesmo significado de potencialidade, ou seja, de chance de acontecer para o bem do paciente pois fundamentada por critérios científicos validados por sociedade de especialidade. O amplo armazenamento de estudos de que disponho indica que, invariavelmente, há observações sobre casos de falhas no pretendido mesmo em situações onde tudo foi aplicado corretamente. Por isso se diz que a medicina é articulada com métodos, mas não podemos ignorar que o paciente deseja os resultados, não pode ser diferente, aliás, para um ser humano. A evidência científica de beneficência é a ponte entre método concernente e sucesso de resultado. Por isso, o valor da conduta recomendável fundamentada na beneficência organizada em diretrizes clínicas por sociedades de especialidade.

É essencial, então, – meus colegas- distinguir potencialidade de realização, não as superpor de antemão, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Potencialidade é a crença que algo é útil e eficaz na circunstância clínica, mas não representa fé (o efeito “já acontecido”) na utilidade e eficácia. O médico precisa aguardar a realização da potencialidade para, então, assegurar-se  do efeito da conduta moralmente admissível. Por isso, o tradicional me dê notícias dito pelo médico ao paciente, talvez um estímulo desnecessário hoje em dia em função dos aplicativos de mensagens.

Vejam só que absurdo, o Controle de qualidade lá do Laboratório de Inteligência artificial em sua postura autoritária diagnosticou defeito de fabricação porque identificou que eu pensava pelo avesso, tacou um Código Inteligência Defeituosa CID 1356 e, agora constato que na beira do leito é muito bom que os médicos raciocinem de marcha-a-ré, o que não deixa de ser um modo de pensar invertido. Verificar isso ajuda a me adaptar.

Explico melhor a metáfora da marcha-a-ré. Ontem, bem cedo, acompanhei um médico que atendia um paciente que apresentava falta de ar importante causada por insuficiência cardíaca. É um sofrimento, sensação de morte iminente, uma emergência que é chamada de asma cardíaca ou edema agudo dos pulmões na dependência do grau de impedimento de entrada de ar nos pulmões pelo excesso de líquido. Baseado numa experiência antiga de cerca de 60 anos que, inclusive, substituiu a necessidade de sangria, muito antes da introdução da medicina baseada em evidência, o médico, rapidamente, ordenou a aplicação de diurético venoso. No intervalo de tempo entre examinar o paciente, constatar o que acontecia e decidir pela prescrição de um diurético, passou um filminho na cabeça dele com cenas em marcha-a-ré.

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