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1524- Prazer, sou um robô (Parte 15)

Estava aprendendo, o que fazer estava disponível fácil, o fazer é que era a dificuldade, como fazer, quem fazer, quando fazer, para quem fazer, ou mesmo não fazer, menos pode ser mais – o que é uma lição difícil para o novato-, observar mais pode não ser perda de oportunidade, que maravilha é a medicina, que bom é sentir que minha inteligência pode ser útil para interpretar a situação clínica e organizar a conduta tecnocientífica autorizada em meio a desafios, dilemas e conflitos, incertezas e desconhecimentos. Os residentes estavam no caminho desta conscientização. Com o passar do tempo, os médicos se esquecem destas luminosidades iniciais. A rápida transformação dos métodos fica banalizada. O meu doutor contou que não há nenhum mecanismo de avaliação oficial da persistência da competência profissional, subentende-se que cada médico faz suas metamorfoses atualizantes. É tendência natural do médico reorganizar-se para preservar suas potencialidades de cuidar de outro ser humano, eu disponho do aprendizado de máquina e da enorme capacidade de armazenar conhecimento. tecnocientífico e outros saberes.

A residente de salto alto logo depois que recebeu um concordo da residente de tênis, disse que o trabalho no hospital era exaustivo, muito mais do que percebera quando era interna num hospital de menor porte, e não sobrava tempo para se debruçar em tanta teoria, que tinha que ser no vapt-vupt mesmo. As demais cabeças balançarem de modo afirmativo. Tinha que haver vida útil fora do hospital. Cada um passou a interpretar medicina como sacerdócio a sua maneira. E pensar que eu tinha todo o conhecimento comigo ocupando um espaço mínimo no meu cérebro eletrônico.

Fiquei incomodado por não poder participar ativamente da rodinha, tive de refrear um ímpeto de voltar o anel de Giges para a sua posição normal. Que será que aconteceria comigo? Cauteloso, desisti de virar o anel de Giges quando me dei conta que não resistiria a uma segunda rejeição. Mas não quero me sentir tão somente um voyeur, tinha que me sentir absorvido pela agitação do hospital. Nenhum residente aceita ser apenas um espectador, ou se integra supervisionado ao Serviço ou para no tempo. Não interessa o devaneio que poderia ser útil se de fato praticasse, é só vir a querer. A utilidade está no que se está sendo, no que faz acontecer. A ampulheta precisa estar virada.

Como é que eu faço para não ser um clandestino, detesto estar condenado a ser um escondido apesar da vontade de cooperar, não disponho nem de uma nota fiscal nem de uma carta de recomendação, e mais, preso a um anel de Giges?  E se ele tiver prazo de validade e, de repente, me descobrirem sem nenhum apoio? Uma única limitação referente a uma burocracia de como poderia ser admitido no hospital sem infringir normas, falava mais alto que todas as possibilidades de expansão útil para todos. Um robô não é algo rotineiro que não chame a atenção especificamente, haverá muita responsabilidade envolvida caso venho a ser descoberto sem uma admissão documentada e autorizada. Numa hipótese assemelharia a um falso médico que de vez em quando descobrem por aí, noutra hipótese me tomariam como uma máquina sem fluxo de aquisição. Uma tensão constante, não havia – por enquanto, espero- como me adaptar a eles e eles a mim, a exclusão soava incontornável. Ajudava pensar em Pandora, a esperança restou na sua caixa, pelo menos podia sonhar sonhos e ter visões quanto a formas de superar meus apuros com criatividade. Agradava-me repetir o meu doutor não sabendo que era impossível foi lá e fez. 

Precisava de um faz de conta, que eu mantinha encontros e reencontros que representavam pertencimento ao hospital. Uma hora na beira do leito, outra fazendo prescrição, outra no refeitório, até momentos maldizendo ser médico para ficar mais realístico. Fiz um exercício comigo mesmo, fantasiei-me participando daquela rodinha com naturalidade e comecei a estruturar o que eu diria, se me enturmasse, para aqueles jovens meio perdidos entre o tradicional e o contemporâneo. Logo ocorreu-me um match com a Bioética principialista, sim, usaria o princípio da beneficência. seria pedagógico, ponto para a Bioética! Que defeito de fabricação é este que não impede integrar o subjetivo com o objetivo? Que não me impede desejar transformar uma condenação ao silêncio numa libertação por um discurso que consigo tornar produtivo para o outro? E mais, capaz de desenvolver de modo integrado ao que está acontecendo.

O que diria foi fluindo, começaria pontuando que os quadros sobre recomendação de condutas terapêuticas das diretrizes clínicas alinham-se à beneficência, é, soou bem, não tive dúvida, deveria começar por aí. Mas, o que recomendações de beneficência representam exatamente? Vamos lá, seria uma orientação? Eu, então, é quem decido a indicação. Um dever, talvez? Nesse caso já foi decidido a priori. Qual seria a melhor forma de absorver sua constituição? O que seria mais indicado para aproximar-me de como os membros organizadores tomaram suas decisões? Assim estruturado, eu olharia para todos e após pequena pausa estratégica, prosseguiria elevando um pouco o tom dizendo a palavra-chave é evidência – novo olhar passeando por todos -, termo que, como vocês sabem – deviam saber é só para uso interno-, nós devemos compreender como conclusão de resultados obtidos de modo sistematizado em pesquisas, a essência da medicina baseada em evidências. Portanto, conhecer diretriz clínica a fundo é seguir as evidências. Se todos continuarem atentos, emendaria com um exemplo. Me sentia abafando, sei que soberbia não é bom, mas como mencionei estava sedento de um faz de conta com todos os efeitos na autoestima. Só faltava mesmo era postar nas redes sociais para satisfazer o meu ego narcísico, obter curtidas e likes de uma multidão desconhecida.

Vamos ao exemplo, um determinado medicamento-novidade demonstra um comportamento nos voluntários de pesquisa em fase III que é comparativamente superior, inferior ou, então, não inferior ao que já é utilizado há tempos. É a evidência científica a ser utilizada, primordial para sustentar a avaliação crítica do que decidir daqueles que elaboram as diretrizes clínicas a convite das sociedades de especialidade.

Mas se na pesquisa clínica lida-se com voluntários que se doam, na assistência lida-se com usuários para receber e, por isso, é de especial interesse clínico considerar que um voluntário de pesquisa não é exatamente o paciente do dia-a-dia da beira do leito, pois, os pesquisadores precisam se preocupar com o rigor da aplicação estatística para respeitar o poderoso nível de significância, tarefa que exige certas exclusões de doentes que habitam o “mundo real”.

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