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63-Tratamento fútil: o útil que é inútil na circunstância

Há certas curiosidades no uso de dicionários. Procurei por fútil e encontrei  inútil como um dos sinônimos. A seguir acessei o verbete inútil e não achei nenhuma menção a fútil.

Imagino que é por isso que se fala em tratamento fútil, por exemplo, em circunstâncias de terminalidade da vida. Porque o método que se deseja suspender ou não introduzir não é intrinsicamente  inútil. Pelo contrário, ele é conceitualmente  útil, mas  não tem utilidade individualizada ao caso em discussão.  Assim, tratamento fútil é um tratamento  que embora seja de reconhecida utilidade clínica  mostra-se inapropriado para uma determinada situação como a de manter artificialmente uma vida que se encontra ao final irreversível de uma doença fatal.

O tratamento útil que  ganha um rótulo de fútil para determinado paciente difere do tratamento útil que se associa a uma apreciação de quebra da Segurança para o paciente, por exemplo, uma alergia  a um antibiótico com potencial de eficácia no caso.

O uso do termo fútil é uma iniciativa do médico para justificar a paciente/familiar  a inconveniência do tratamento, pretendendo uma concordância no processo de tomada de decisão. Em outras palavras, é um argumento que respeita a autonomia do paciente, seus valores, mas impacta forte e, de certa forma, soa com menos neutralidade do médico no processo de consentimento. Pois, a recomendação é para não fazer, ao contrário das habituais insistências para fazer.  O fato de que algo estava sendo feito e agora não deve mais porque a evolução foi desfavorável é um passo adiante em relação ao ainda não testado e que o médico recomenda fazer.

Foi em 1990 que a publicação Medical Futility: Its Meaning and Ethical Implications   da University of Washington http://annals.org/article.aspx?articleid=703935 despertou maior interesse pela futilidade do tratamento. Houve uma rápida evolução da apreciação dos contraditórios do tema, inclusive da conclusão da referida publicação: “… Muito embora exceções e precauções devam ser consideradas, propomos que os médicos podem julgar fútil um tratamento e, por isso,  suspendê-lo. Nestes casos, médicos devem atuar em sintonia com outros profissionais da saúde, mas não há necessidade da obtenção de consentimento de paciente/familiar…” (Grifo nosso).

Uma crítica é que, embora aparentemente objetiva, a determinação de futilidade associa-se a grau expressivo de subjetividade e baseado nos valores do médico. Há as seguintes interpretações de futilidade: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3252683/pdf/ukmss-40140.pdf

1.       Futilidade fisiológica-Tratamento que não pode alcançar o seu objetivo fisiológico.

2.       Futilidade quantitativa- Tratamento com chance  de sucesso aquém de 1%.

3.       Futilidade qualitativa- Tratamento que não possibilita uma qualidade de vida aceitável, que meramente preserva a inconsciência ou não evita uma total dependência de cuidados intensivos.

4.       Futilidade na morte iminente- Uma intervenção que não muda a realidade da morte no curto prazo.

5.        Futilidade na condição letal- A condição básica do paciente não será afetada pela intervenção e haverá a evolução para óbito em poucas semanas ou meses.

É essencial ter em mente as duas justificativas éticas para a consideração da futilidade: a primeira, menos polêmica, é  ineficácia/desconforto para o paciente e a segunda, mais controvertida, é a consideração do que eventual manutenção do tratamento de um paciente representaria para outros pacientes (leito, medicamentos).

Há algumas  maneiras de o médico se posicionar perante conflitos com paciente/familiar na questão da proposição e da aceitação da futilidade do tratamento:

1.       Ceder e realizar o tratamento por não aceitação do caráter de futilidade do tratamento pelo paciente/familiar. Especialmente quando se verifica que atende aos melhores interesses do paciente com base em seus valores.

2.       Negar-se a aplicar o tratamento solicitado pelo paciente/familiar.

3.       Solicitar mediação por Comitê de Ética.

4.       Solicitar decisão judicial.

A Bioética da Beira do leito  compartilha do pensamento que  uma consideração objetiva e científica de futilidade de tratamento, por mais plena de profissionalismo, contém graus de subjetividade, “contaminações” pelos valores do médico. Uma Comissão de Bioética contribui para estruturar uma tomada de decisão racional em meio a pontos de vistas conflituosos num ambiente habitualmente pleno de emoções.

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