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23-O dito e o não dito do que poderá ser lido na bula

Aspecto capital na prevenção de dano psicológico iatrogênico é o da conscientização do valor de ajustar e reajustar o foco da tomada de decisão ao longo da sua execução firmemente apoiado no conceito que mente e corpo não devem ser dissociados na atenção integral à Saúde.

O artigo 34 do nosso Código de Ética Médica vigente- É vedado ao médico  deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20660:codigo-de-etica-medica-res-19312009-capitulo-v-relacao-com-pacientes-e-familiares&catid=9:codigo-de-etica-medica-atual&Itemid=122 merece reflexões para que haja o cumprimento não somente respeitoso ao conhecimento científico no entorno da doença, como também sensível ao mundo real do ser humano no convívio com a doença. Assim, o campo da comunicação sobre o geral de validade universal e o campo da comunicação no detalhe da individualidade pessoal precisam ser comparativamente analisados. O teor da comunicação é influenciado não somente pela disposição para assumir o comportamento, como também pela habilidade de julgamento da circunstância. Falar poderá provocar um imediato dano psicológico e não falar poderá   causar um dano físico depois pelo desconhecimento de cautelas e/ou de providências de notificação.

Já tratamos neste blog da Bioética da Beira do leito  sobre o quanto o médico deve se comportar como “bula”  no ato da prescrição, especialmente em relação à segurança do uso de medicamento beneficente frente a riscos de adversidades.

Não há consenso sobre o tema entre os médicos. Cada qual tem seu modo de atuar. Espelha a personalidade e a vivência profissional. Depreende-se, assim, como se faz  heterogênea a interpretação da comunicação quepossa lhe causar dano, da recomendação de caráter ético acima referida.

Há dois aspectos que podem contribuir para uma apreciação do quantum satis: o primeiro diz respeito à modalidade da adversidade e o segundo trata da conveniência de se direcionar as informações sobre benefício para o lado da expectativa almejada -pragmatismo otimista- ou para o lado da probabilidade de ocorrência indesejada – realismo pessimista.

Há três modalidades de adversidade: a) a comum a maioria dos medicamentos: é a de menor necessidade de exposição, especialmente em situações de exiguidade de tempo. Em geral, os pacientes conhecem e sabem reconhecê-la -“… é do remédio…”- com facilidade, como gastrite, alergia e repercussão intestinal; b) a específica ao medicamento: é importante que o paciente saiba, que ele seja esclarecido que a grandeza do benefício justifica a adesão apesar de desconfortos, e que a convivência com os mesmos pode ser tolerável, inclusive com medidas de controle e de apoio. Situações oncológicas são exemplo; c) a interligada às peculiaridades nosológicas do paciente em questão: é crucial que haja o esclarecimento sobre probabilidades de o método de benefício pretendido vir a provocar malefícios para outras morbidades pré-existentes. É base para ajustes, para  ocompromisso com revisões e para que o paciente fique alerta ao reconhecimento e  tenha a oportuinidade da notificação ao médico. Fundamentalmente nos itens b) e c) a visão crítica sobre o que poderia trazer efeitos psicológicos desnecessários, inconveniências de comunicação mesmo, torna-se desejável. Exemplo é a menção de raridades de efeitos gravíssimos como existente em bulas, afinal  ética do médico e lógica da indústria são fatos distintos.

Na interligação entre o primeiro e o segundo aspecto precisa ficar claro o quanto  a comunicação que possa causar danoreveste-se de subjetividade, de inadequações pelo desconhecimento sobre como se comporta a mente daquele paciente, de desatenção a comportamentos reveladores. Por mais que os ítens b) e c) tragam objetividades, cada médico costuma ter seu próprio entendimento do dever de prudência e de zelo. Assim, não é incomum nem o exagero “imprudente” de “bula total” determinado pelo “amanhã serei criticado – e processado- por não ter alertado sobre o que aconteceu”, não importa se foi aquele 1 em 1000, nem o reducionismo “negligente” de “bula zero” para não sugestionar. Na pesquisa clínica, esta dualidade dever de informar/direito de saber apresenta a forte variável que o entendimento das adversidades pelo voluntário permite a evitação do dano pelo não consentimento, sendo também documentado que o fato de obrigatoriamente ter a informação sobre o que pode acontecer de adversidade eleva a freqüência da ocorrência.    placebonocebo

O segundo aspecto refere-se ao poder influente da palavra do médico. Não aquele de sentido arrogante de inflação do ego e esvaziamento das evidências científicas, mas o do crédito no valor positivo do efeito placebo e no valor negativo do efeito nocebo http://www.hdbp.org/psychiatria_danubina/pdf/dnb_vol26_no2/dnb_vol26_no2_100.pdf.

Aqui, como acima referido, o foco é o benefíco desejado e não a adversidade possível.

Os bioamigos hão de se lembrar do tempo do exame vestibular de acesso à Faculdade e de como as pessoas amigas se comunicavam. Certamente, todos ouviram: “- …desejo que você faça uma boa prova e consiga o seu intento…” e ninguém ouviu: “-… sempre há um bocado de questões que você não terá capacidade para responder, por isso, há alta chance de você não entrar na Faculdade…”. Enquanto que esta hipotética comunicação não teria tido nenhuma influência sobre que questões houve, a comunicação pelo médico sobre efeitos, pelo contrário, poderá afetar diretamente a evolução do uso do medicamento prescrito.

Em tempos de necessidade de dados que possam ser interpretados como evidências favoráveis, e, considerando os graus de incredulidade que existem a respeito do poder de coadjuvante terapêutico da mente, pesquisadores ligados a Harvard Medical School  file:///D:/Users/biblio34/Documents/Dropbox/Altered%20placebi%20andDrugSci%20Transl%20Med2014KamHansen.pdf estudaram portadores de enxaqueca e concluíram que:  1- o uso de placebo, assim corretamente informado ao paciente, tem efeito superior ao não uso de nenhum medicamento; 2- informações “positivas” elevaram o grau de sucesso terapêutico  tanto do uso do placebo, quanto da real droga aplicada; 3- a intensidade da enxaqueca foi reduzida de modo similar quando pacientes usaram placebo rotulado como  droga ativa e quando esta foi  tomada supondo tratar-se de placebo. Em suma, a expectativa gerada em função da comunicação pelo médico é poderosa influência sobre o sucesso ou o insucesso terapêutico.

Portanto, quando o bioamigo refletir sobre o eventual dano psicológico da comunicação conforme o referido art. 41,  não deixe de considerar que  o efeito placebo eleva e o efeito nocebo rebaixa a eficiência que se poderia prever farmacologicamente.

Opções de comunicação “anti-dano psicológico” ou “ realista quanto ao dano físico” correm em paralelo e o Código de Ética Médica talvez não possa contribuir para  movimentos  convergentes.  A Bioética, por sua vez,  empenha-se em fazê-los acontecer por ajustes e reajustes dos focos de emissão e de recepção da palavra.

 

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