PUBLICAÇÕES DESDE 2014

126-Bitola Ética

A Bioética da Beira do leito interessa-se pelo ecossistema que decompõe males das doenças, produz benefícios à saúde e estabiliza qualidade de vida e sobrevida. Ela interage simultaneamente com a) os crescentes saberes da Saúde que sustentam centenas de fins diagnósticos e terapêuticos e valem-se de dezenas de métodos e b) os infinitos comportamentos dos pacientes. Para tão numerosos movimentos e contramovimentos, lhe são  úteis não mais do que 4 princípios.

Beneficência, Segurança (Não maleficência), Autonomia e Equidade formam a tetrapartite raiz nutriente do pretendido equilíbrio entre ciência e humanismo na beira do leito. O florescimento da harmonia de bem-estar físico, mental e social – o possível caso a caso- organiza-se em duas premissas da relação médico-paciente. A primeira refere-se às combinações de intenção, ação e comunicação por parte do profissional da Saúde (triângulo 1). A segunda diz respeito à idealidade de reparar o que está doente sem agravar comorbidades e preservando o que está saudável no paciente (triângulo 2).

T1
Triângulo 1
T2
Triângulo 2

A fundamentação principialista não é a única maneira pela qual pode-se enxergar a Bioética. Porém, ela é inegavelmente útil. Especialmente, pela íntima aliança com o vigor ético do dueto pilar da Deontologia Médica: Prudência e Zelo.

BioÉt
Aliança do quarteto da Bioética com o dueto da Deontologia Médica

Refiro-me à Prudência como virtude aplicada no processo de tomada de decisão, a responsabilidade de definir o que escolher e o que evitar perante avaliações individuais de risco/benefício, a noção do que satisfaz o presente com melhor futuro. Já o Zelo é o dever de fazer o decidido de acordo com as boas práticas estabelecidas em Medicina.

Prudência e zelo irmanam-se qual barras de um trilho condutor do raciocínio clínico, unidos que estão no Art. 1º: É vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência do Código de Ética Médica vigente.

Idealmente, a condução de cada caso deve ser feita no paralelismo entre prudência e zelo. O médico como retratista-https://bioamigo.com.br/?p=771.

E são os  princípios da Bioética que fundamentam a retidão harmônica. Há uma bitola ética a ser respeitada, que admite não mais do que contidas variações de distância entre si.

Cada paciente deve se enquadrar na bitola ética, o que se dá por meio de ajustes justificados à “conduta de livro”, à “conduta-padrão”, à “conduta da diretriz”. Estas categorias são bússolas para o encontro de mehores caminhos, nunca algemas para levar aonde não se deseja.

 Os ajustes para o respeito à bitola ética  representam o calor humano da conduta prudente e zelosa para cada caso  e que aquece o frio texto genérico do artigo do Código de Ética Médica vigente supracitado, quando é necessário proceder a  interpretações.

A condução da tomada de decisão e da aplicação do decidido dá-se na medida da bitola ética segundo a pergunta recorrente: O que devo e o que não devo considerar no caso passou por análise segundo os princípios da Bioética e expressa adequado paralelismo entre prudência e zelo?

Assim, a integração seleção de benefício, filtragem pela segurança, adaptação à autonomia e atenção à equidade,  respeitosa ao questionamento acima, representa maduro ajuste de conduta técnico-científica e de acolhimento a preferências e a valores do paciente,  o que evita “descarrilhamentos éticos”.

Em outras palavras, a matéria-prima da conduta recomendável pela Medicina para a doença é moldada em cada doente, sucedendo a conduta aplicável, em função da análise individual de segurança e a conduta consentida, em função dos aspectos da autonomia. Configura-se, ao final, a conduta legítima da bitola ética. O que faz com que a receita médica comporte-se qual escova de dente, cada um deve usar a própria.

Exemplos de ajustes de conduta promovidos pelo raciocínio clínico sensível aos princípios da  Bioética para respeito à bitola ética:

1- BITOLA ÉTICA SOB RISCO DE IATROGENIA- Determinado  método terapêutico é benefício conceitual para a circunstância clínica do caso. Contudo, ele  não passou pelo filtro da segurança dos exames clínico e/ou complementar.

Exemplo: Pretendeu-se elevar a dose de diurético pela persistência de edema no paciente – conduta recomendável pela Medicina.  A prudência da observação evolutiva do nível de creatinina no sangue- insuficiência aguda pré-renal- acionou um “paralelo” raciocínio de zelo na manipulação da dose do medicamento- conduta aplicável ao caso.

2- BITOLA ÉTICA SOB RISCO DE CARACTERÍSTICA BIOLÓGICA DO PACIENTE- Determinado  método terapêutico é benefício conceitual para a circunstância clínica do caso. Contudo, dado da história pregressa do paciente comprometeu a segurança.

Exemplo: Pretendeu-se aplicar penicilina para tratamento de uma infecção estreptocócica- conduta recomendável pela Medicina. A prudência recomendou a anamnese sobre possível alergia e o zelo, “em paralelo” à positividade da indagação, determinou a prescrição de  outro antibiótico – conduta aplicável ao caso.

3- BITOLA ÉTICA SOB RISCO DE INTERAÇÃO MEDICAMENTOSA- Determinado  método terapêutico é benefício conceitual para a circunstância clínica do caso. Contudo, o paciente tem necessidade de tomar  outros medicamentos.

Exemplo: Pretendeu-se  a introdução  da varfarina  para evitar  o tromboembolismo em caso de fibrilação atrial paroxística- conduta recomendável pela Medicina.  A prudência recomendou a análise de interação medicamentosa com os demais fármacos em uso. A verificação da prescrição de amiodarona -medicamento que potencializa o efeito do anticoagulante- considerou o zelo de fazer controle laboratorial da anticoagulação oral de modo mais frequente para evitar excessos de dose e consequente efeito hemorrágico – conduta aplicável ao caso.

4- BITOLA ÉTICA SOB RISCO PELO DESEJO DO PACIENTE- Determinado  método terapêutico é benefício conceitual para a circunstância clínica do caso. Contudo, apesar da avaliação de segurança no uso, o paciente não deu o consentimento.

Exemplo: Pretendeu-se a realização de um exame complementar para específica confirmação da hipótese diagnóstica mais provável – conduta recomendável pela Medicina, a que o paciente negou submeter-se. O zelo recomendou que o médico fizesse a prescrição terapêutica segundo a conduta consentida, em função dos aspectos da autonomia,  a baseada no raciocínio clínico sobre a anamnese, o exame físico e os exames complementares inespecíficos.

5- BITOLA ÉTICA SOB RISCO PELO SISTEMA DE SAÚDE (Equidade)- Determinado  método terapêutico (cirúrgico) é benefício conceitual para a circunstância clínica do caso. Contudo, peculiaridades do sistema de saúde impediram a realização eletiva do ato operatório no curto prazo.

Exemplo: Pretendeu-se uma intervenção cirúrgica eletiva para portador de hérnia inguinal. A prudência recomendou a indicação cirúrgica, consentida pelo paciente. A ausência da realização do decidido por questão de vaga hospitalar possibilitou a progressão da história natural e a ocorrência de uma situação de Emergência (encarceramento/estrangulamento). Não ocorreu, pois, paralelismo entre prudência na tomada de decisão e zelo na execução do decidido. A nova condição mórbida  sob  distinta relação risco/benefíco obrigou à prudência de internação hospitalar imediata e ao zelo na sequente realização do ato operatório.

É essencial ter em mente que não basta ter atitudes de respeito à bitola ética, é necessário considerar um  componente  do ecossistema da beira do leito que, pela importância ética, deve ser mentalizado como “ser com vida”. Pela função de memória e de testemunha. É o prontuário do paciente. Propriedade do paciente, elaborado pelos profissionais da saúde, guardado pela instituição de saúde, protegido pelo sigilo profissional.  Nesta inviolável documentação- verdadeiro diário íntimo do paciente-, o respeito à bitola ética faz-se no registro do praticado, incluindo as justificativas dos desvios do conceitualmente ideal que foram eticamente realizados, em face das individualidades do paciente.

COMPARTILHE JÁ

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Telegram
Compartilhar no WhatsApp
Compartilhar no E-mail

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POSTS SIMILARES