PUBLICAÇÕES DESDE 2014

50-A construção do progresso

CaduceuMedicina

 

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Quando se fala em progresso da Medicina, logo vem à mente  uma inovação técnica preenchendo uma lacuna de utilidade. Todavia, ele  pode ser uma mudança de  ponto de vista acerca  do efetivo emprego dos métodos vigentes em atenção à circunstância clínica.

A Bioética da Beira do leito entende que todos os argumentos  verbalizados acerca de complexidades devem ser conhecidos. É oportunidade para o fortalecimento da apreciação de contraditórios pelo profissional da Saúde. Especialmente, quando a questão envolve mudança de paradigma  a respeito da não aplicação de métodos conceitualmente beneficentes ao paciente, orientada pelo prognóstico da sua doença.

Há muitos anos, a percepção de inutilidade de recursos da Medicina em função da individualidade de má situação clínica na terminalidade da vida é fundamento para a tomada de decisões tendo como pano de fundo a evitação da distanásia. O pensamento é evitar o sofrimento atroz desta fase da vida e privilegiar a dignidade na morte inevitável a curto prazo.  Demanda uma construção pela falta de unanimidade transdisiciplinar.

Só recentemente, em 2006,  aconteceu uma iniciativa mais resolutiva para dar sustentação ética ao médico brasileiro que, tendo a técnica na mão, incomoda-se em prolongar o sofrimento irreversível do seu paciente

Foi então que o Conselho Federal de Medicina  publicou a Resolução CFM 1.805/2006 pela qual permitia-se ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm

A Resolução, portanto, teve a preocupação de respeitar a capacidade de uma pessoa conduzir  uma vida  auto-determinada e de ser reconhecido  como  um ser autônomo por outros.

Houve uma representação do Ministério Público Federal contrária à aplicação deste entendimento ético. A heteronomia fez-se presente com justificativas coerentes com a preocupação da possibilidade de desrespeito legal.

As razões de direito foram que o Conselho Federal de Medicina não pode regulamentar como ética uma conduta considerada crime, um homicídio, à luz do Código Penal brasileiro. Houve a suspensão liminar da Resolução, por possível conflito entre a Resolução e o Código Penal. Os chamados Cuidados Paliativos viram-se diante de um sinal vermelho.

Destaco a seguir trechos da representação do Ministério Público Federal:

1.       A chave do bem  morrer está no bem viver. Se o Brasil não garante dignidade de pessoa humana a quem vive, como pretender garantir dignidade no morrer? Em todo pedido de paciente terminal para morrer está implícito um pedido de socorro.

2.        O direito à vida tem um conteúdo de proteção positiva que impede configurá-lo com um direito de liberdade que inclua o direito à própria morte.

3.       A ortotanásia, assim com a eutanásia, ainda (Grifo nosso) é considerada HOMICÍDIO pelo Código Penal Brasileiro. Ainda se encontra em apreciação pelo Legislador Ordinário o Anteprojeto de Código Penal.  O referido Anteprojeto de Código Penal, ao tratar do homicídio no art. 121, dispõe no § 3.º: “Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena – reclusão, de dois a cinco anos. Já no § 4.º estabelece: Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. Considerando que o mencionado Anteprojeto, SE E QUANDO APROVADO, regulará, assim, a eutanásia e a ortotanásia, respectivamente. 5. Considerando que, mesmo se aprovado, surgirão questionamentos SERIÍSSIMOS e CONSISTENTES acerca da INCONSTITUCIONALIDADE destes institutos (eutanásia e ortotanásia).

4.        Conforme assinalou Asúa, três interrogações se erguem entre nós, repassadas de inquietações: 1) É tão intolerável a dor que seja preciso fazê-la calar com a morte e tão espantosa a agonia que se imponha o seu aceleramento ?; 2) Pode-se decidir de um modo irrevogável a incurabilidade de um doente?, e, 3) O critério da inutilidade autoriza a eliminação ? Respostas: 1) Não podemos confiar à dor a influência decisiva de determinar a eutanásia. A medicina moderna não está demarcada perante as dores mais agudas. O risco em razão da suportabilidade ou não dos pacientes é grande. 2) A incurabilidade é um dos conceitos mais duvidosos. Prolongar a vida é vivê-la. Para estas situações, em que a morte não é imediata, a eutanásia não deve ser praticada, ainda que a enfermidade continue a destruir o organismo e acabe por fim com a existência. 3) Motivar o extermínio pela inutilidade é o extremo da insensibilidade moral. É preciso organizar na vida uma concepção ética da qual o Positivismo e o Idealismo se achem de acordo. A ortotanásia não passa de um artifício homicida; expediente desprovido de razões lógicas e violador da Constituição Federal, mero desejo de dar ao homem, pelo próprio homem, a possibilidade de uma decisão que nunca lhe pertenceu. Assim, não pode ser considerado lícito o homicídio praticado nas circunstâncias estabelecidas no § 4.º do art.121 do Anteprojeto.

5.       A licença para o homicídio eutanásico deve ser repelida, principalmente, em nome do direito. Defendê-la é, sem mais nem menos, fazer apologia de um crime. Não desmoralizemos a civilização contemporânea com o preconício do homicídio. Uma existência humana, embora irremessivelmente empolgada pela dor e socialmente inútil, é sagrada. A vida de um homem até o seu último momento é uma contribuição para a harmonia suprema do Universo e nenhum artifício humano, por isso mesmo, deve truncá-la.

6.    Considerando que a Resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina é um afronta ao direito à vida e trata-se de, em suma e como já dito, de incitação e apologia ao homicídio. O Ministério Público Federal, pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal, resolve RECOMENDAR Ao Conselho Federal de Medicina a imediata revogação da Resolução sobre a terminalidade da vida.

7.    Considerando que a Resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina é um afronta ao direito à vida e trata-se de, em suma e como já dito, de incitação e apologia ao homicídio. O Ministério Público Federal, pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal, resolve RECOMENDAR Ao Conselho Federal de Medicina a imediata revogação da Resolução sobre a terminalidade da vida.

8.       É possível  que o Conselho Federal de Medicina diga a um médico que a conduta deste pode até ser ilegal, ilícita, considerada até crime, mas que não seja anti-ética? O Conselho Federal de Medicina teria competência regulamentar para dizer que algo que hoje no Brasil ainda pode ser considerado como crime? Poderia regular tão simplesmente, somente ouvindo-se médicos e pacientes e/ou representantes legais/familiares? Poderia regulamentar simplesmente, sem quaisquer critérios mais objetivos ou subjetivos como o fez em outras tantas resoluções (vide infra)? – Poder-se-ia subtrair da apreciação prévia do Ministério Público e do Judiciário a disposição, mesmo em casos extremos, do indisponível direito à vida, consagrado constitucionalmente? Sim, porque nestes casos extremos alguém ousaria dizer que algum paciente ou seu representante legal quando decide pelo fim da vida encontra-se irremediavelmente estado, ainda que temporário, de incapacidade absoluta, onde somente seria válida uma disposição de vontade após a oitiva do Ministério Público e do Judiciário?

Em 2010, houve a sentença. Ela considerou improcedente o pedido do Ministério Público Federal. Entendeu o magistrado que “chegou à convicção de a resolução, que regulamenta a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, realmente não ofende o ordenamento jurídico posto”. E que o Conselho Federal de Medicina  tem competência para editar norma deste tipo, que não versa sobre direito penal e, sim, sobre ética médica e conseqüências disciplinares. A  Resolução não determinou modificação significativa no dia-a-dia dos médicos que lidam com pacientes terminais, não gerando, portanto, os efeitos danosos alardeados na ação proposta. Segundo a decisão, a regra, ao contrário, deve incentivar os médicos a descrever exatamente os procedimentos que adotam e os que deixam de adotar, em relação a pacientes terminais, permitindo maior transparência e possibilitando maior controle da sua atividade médica. http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=21154:justica-valida-resolucao-1805-que-trata-sobre-ortotanasia&catid=3

O Código de Ética Médica atual inclui o artigo 41: É vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

Aspecto importante, é que o documento longo do Ministério Público Federal faz uma série de considerações utilizando-se da Bioética como ponto de referência, inclusive o nosso nome é referido por 4 vezes, além de outros colegas que se interessam pela Bioética. O cumprimento da legalidade não deve inibir o livre-pensar sobre questões da vida  na iminência da morte.

Este vai-e-vem dá a dimensão dos objetivos de uma Comissão de Bioética. A pertinência da visão multiprofissional e transdisciplinar para a conciliação de sinceros interesses e preocupações em jogo.

 

 

 

 

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