3834

PUBLICAÇÕES DESDE 2014

691- O não consentimento do paciente, uma minoria forte (Parte 2)

O presente artigo teve a prestigiosa colaboração da fonoaudióloga Leny Kyrillos, a quem agradecemos a sempre gentil atenção com o blog biomigo.com.br

LK
Fonoaudióloga Leny Kyrillos

Talvez vocês não conheçam o Dr. João, formado há três anos. Mas é interessante conhecer o que se passou com ele no hospital da sua cidade natal onde sempre sonhou trabalhar. Muitos vão se identificar com o que aconteceu.

Era a décima primeira consulta do dia do Dr. João. Certo cansaço já se fazia presente. Estava na hora do almoço bem anunciado pelo estômago mal alimentado há 24 horas. O plantão da noite anterior é como se não tivesse existido para a cognição do Dr. João. Eis que o paciente Luis – até então bastante aderente às orientações- em retorno, manifesta que se reuniu com a família e decidiram não concordar com a recomendação do procedimento que o Dr. João lhe fizera na consulta prévia.

Após alguns minutos de um vaivém de argumentos, o Dr. João sente-se frustrado, perde o chão e fica perigosamente pendurado no não consentimento do paciente Luis. Incomoda estar sendo impedido de aplicar o método terapêutico que criteriosamente selecionou após minuciosa investigação diagnóstica.

O Dr. João tem conhecimento da ética médica, compreende o valor do respeito à integridade do paciente, ou seja, ao entendimento sobre a vida e a doença, seus interesses e seu livre-arbítrio. Contudo, a primeira vez é marcante e o que só aconteceria com os colegas, agora é com ele. Sob uma rígida autoafirmação de dedicação, o Dr. João vê a própria integridade profissional ser desafiada. O Dr. João é tomado por um misto de sentimentos que transparece para o paciente Luis que se apressa em esclarecer que a recusa não tem nada a ver com falta de confiança no Dr. João. É eticamente correto dizer que cansaço e fome não podem perturbar a condução do caso, mas é biologicamente correto, também, dizer que o médico é de carne e osso. Pelo bom senso, o Dr. João manteve a conduta clínica e agendou nova consulta para 30 dias.

Desafios sempre geram insegurança, desconforto. Uma reação diferente da esperada pode embotar o cérebro do interlocutor, prejudica a avaliação correta do que está acontecendo e influencia a melhor escolha do posicionamento. A tendência humana mais comum é entrar rapidamente no modo defensivo, o que, no caso da relação médico-paciente, pode significar realizar um ataque com a intenção de se proteger.

Felizmente, o Dr. João  não cometeu nenhum desvio de atitude, apesar da visão distinta da do paciente sobre a vida e a doença e de ser detentor natural de uma voz ativa sustentada pela posse de um número de CRM. Ele manifestou sincero interesse pelo bem-estar do paciente, contudo, como se sabe, excelentes atributos como caráter profissional podem ser insuficientes para engatar o prosseguimento do atendimento. A cena ficou congelada. Como movimentá-la no retorno do paciente após 30 dias? O Dr. João sabe que em situações de comunicação, a clareza mental facilita o protagonismo, mas no âmbito de uma conexão médico-paciente, o preparo que é fundamental precisa de uma diversificada previsão de situações de conflito e, assim, acréscimos se fazem necessários em breves sequências.

O que fazer na prática quando se percebe pouco preparado para reagir a tal frustração? O Dr. João deu um tempo até a próxima consulta e, assim, preservou a sensação de estar participando ativamente das decisões do caso. A sua formação numa tradicional escola de medicina incluía o imperativo de nunca abdicar de suas obrigações e sentir-se gratificado pela desenvoltura. Agora havia uma pedra no caminho, o paciente passara ao comando, tudo soava como uma decisão sem volta.

Um fogo cruzado de pensamentos perturbava a mente do Dr. João, ainda sem calos profissionais, enquanto ele almoçava com apetite pós-plantão. O que não conseguia digerir era a sensação regressiva, um desejo de retorno urgente ao útero profissional. O Dr. João comentou com o colega de refeição que lhe lembrou que existe uma tal de Bioética, tida como um educador emocional, para consultar neste tipo de situação. Foi atrás. Fiquei sabendo que ajudou muito.

É bom quando há referências confiáveis para guiar nossas condutas! A Bioética permite a reflexão sobre diferentes situações que o profissional pode encontrar e analisa prós e contras de opções de condutas. Em muitas situações, é a luz no fim do túnel!

COMPARTILHE JÁ

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Telegram
Compartilhar no WhatsApp
Compartilhar no E-mail

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POSTS SIMILARES

fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts
set0 Posts
out0 Posts
nov0 Posts
dez0 Posts
jan0 Posts
fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts

fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts
set0 Posts
out0 Posts
nov0 Posts
dez0 Posts
jan0 Posts
fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts