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691- O não consentimento do paciente, uma minoria forte (Parte 2)

O presente artigo teve a prestigiosa colaboração da fonoaudióloga Leny Kyrillos, a quem agradecemos a sempre gentil atenção com o blog biomigo.com.br

LK
Fonoaudióloga Leny Kyrillos

Talvez vocês não conheçam o Dr. João, formado há três anos. Mas é interessante conhecer o que se passou com ele no hospital da sua cidade natal onde sempre sonhou trabalhar. Muitos vão se identificar com o que aconteceu.

Era a décima primeira consulta do dia do Dr. João. Certo cansaço já se fazia presente. Estava na hora do almoço bem anunciado pelo estômago mal alimentado há 24 horas. O plantão da noite anterior é como se não tivesse existido para a cognição do Dr. João. Eis que o paciente Luis – até então bastante aderente às orientações- em retorno, manifesta que se reuniu com a família e decidiram não concordar com a recomendação do procedimento que o Dr. João lhe fizera na consulta prévia.

Após alguns minutos de um vaivém de argumentos, o Dr. João sente-se frustrado, perde o chão e fica perigosamente pendurado no não consentimento do paciente Luis. Incomoda estar sendo impedido de aplicar o método terapêutico que criteriosamente selecionou após minuciosa investigação diagnóstica.

O Dr. João tem conhecimento da ética médica, compreende o valor do respeito à integridade do paciente, ou seja, ao entendimento sobre a vida e a doença, seus interesses e seu livre-arbítrio. Contudo, a primeira vez é marcante e o que só aconteceria com os colegas, agora é com ele. Sob uma rígida autoafirmação de dedicação, o Dr. João vê a própria integridade profissional ser desafiada. O Dr. João é tomado por um misto de sentimentos que transparece para o paciente Luis que se apressa em esclarecer que a recusa não tem nada a ver com falta de confiança no Dr. João. É eticamente correto dizer que cansaço e fome não podem perturbar a condução do caso, mas é biologicamente correto, também, dizer que o médico é de carne e osso. Pelo bom senso, o Dr. João manteve a conduta clínica e agendou nova consulta para 30 dias.

Desafios sempre geram insegurança, desconforto. Uma reação diferente da esperada pode embotar o cérebro do interlocutor, prejudica a avaliação correta do que está acontecendo e influencia a melhor escolha do posicionamento. A tendência humana mais comum é entrar rapidamente no modo defensivo, o que, no caso da relação médico-paciente, pode significar realizar um ataque com a intenção de se proteger.

Felizmente, o Dr. João  não cometeu nenhum desvio de atitude, apesar da visão distinta da do paciente sobre a vida e a doença e de ser detentor natural de uma voz ativa sustentada pela posse de um número de CRM. Ele manifestou sincero interesse pelo bem-estar do paciente, contudo, como se sabe, excelentes atributos como caráter profissional podem ser insuficientes para engatar o prosseguimento do atendimento. A cena ficou congelada. Como movimentá-la no retorno do paciente após 30 dias? O Dr. João sabe que em situações de comunicação, a clareza mental facilita o protagonismo, mas no âmbito de uma conexão médico-paciente, o preparo que é fundamental precisa de uma diversificada previsão de situações de conflito e, assim, acréscimos se fazem necessários em breves sequências.

O que fazer na prática quando se percebe pouco preparado para reagir a tal frustração? O Dr. João deu um tempo até a próxima consulta e, assim, preservou a sensação de estar participando ativamente das decisões do caso. A sua formação numa tradicional escola de medicina incluía o imperativo de nunca abdicar de suas obrigações e sentir-se gratificado pela desenvoltura. Agora havia uma pedra no caminho, o paciente passara ao comando, tudo soava como uma decisão sem volta.

Um fogo cruzado de pensamentos perturbava a mente do Dr. João, ainda sem calos profissionais, enquanto ele almoçava com apetite pós-plantão. O que não conseguia digerir era a sensação regressiva, um desejo de retorno urgente ao útero profissional. O Dr. João comentou com o colega de refeição que lhe lembrou que existe uma tal de Bioética, tida como um educador emocional, para consultar neste tipo de situação. Foi atrás. Fiquei sabendo que ajudou muito.

É bom quando há referências confiáveis para guiar nossas condutas! A Bioética permite a reflexão sobre diferentes situações que o profissional pode encontrar e analisa prós e contras de opções de condutas. Em muitas situações, é a luz no fim do túnel!

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