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735- Bioética aos montes (Parte 3)

Numa análise retrospectiva, o Dr. JTH se deu conta que durante os esclarecimentos iniciais gastara mais tempo com as adversidades do que propriamente, oreintando sobre o benefício. Admitiu-se um agente da hesitação do paciente. Teria que rever a proporção dos tipos de esclarecimentos. Culpou a faculdade e enxergou uma omissão da supervisão da sua Residência Médica. Por outro lado, justificou-se na lição clássica que não podia evitar a indeterminação nos esclarecimentos sobre benefício e malefício. O tal do Hipócrates (460ac-370ac) quebrou a bola de cristal dos deuses há muitos séculos e a declarou instrumento antiético para sempre, pelo menos enquanto conseguir permanecer imortal.

Naquele momento de aguardo de um Sim ou de um Não do paciente, três letras que representavam uma resposta final do maior interessado a todo um esforço profissional, uma forte tensão pairava, a recomendação seria consentida pelo paciente (benefício> malefício) ou  seria por ele contraindicada (malefício>benefício) expresso por um não consentimento? A decisão foi adiada para o dia seguinte, quando, então, o paciente rejeitou dar o consentimento.

O Dr. JTH ouviu o Não com profissionalismo. Ele conhece a atitude e a visão transdisciplinar que ao mesmo tempo que não abre mão do rigor tecnocientífico, é sensível a uma abertura para o desconhecido, o inesperado, o imprevisível e admite a tolerância a opiniões contrárias. Entendendo que o rigor tecnocientífico sobre potencialidades (dimensão de efeito e probabilidade de certeza) convive com indeterminações  da efetiva realização, o Dr. JTH dispõe-se a entender possíveis causas, reservou um tempo para re-explicar, conversou com familiares, enfatizou o que deveria ser esperado se houvesse a progressão da história natural da doença do paciente. O médico tinha a expectativa que o não consentimento era provisório e que sua atitude de paternalismo brando reverteria para o consentimento pelo paciente. Assim aconteceu. A confiança do paciente no médico e a restrição incômoda da qualidade de vida falaram mais alto do que a causa da negativa inicial, fosse ele qual fosse, e direcionaram para o Sim à recomendação.

No pós-procedimento, intercorrências habituais se manifestaram ao lado de indícios da realização dos benefícios pretendidos e enquanto o médico interpretava o total dos acontecimentos evolutivos como sucesso salpicado por adversidades banais e superáveis (faz parte), o paciente reiterava uma interpretação de domínio do insucesso. De fato, o paciente focava as adversidades com a ocular do binóculo e os benefícios olhando  pela objetiva. Familiares compartilhavam as impressões com o paciente e outros tentavam fazê-lo enxergar pelo lado positivo como enfatizava o médico. O paciente teve alta hospitalar após período de tempo habitual para a conduta e menos de 30 dias depois, sob uma unânime avaliação de sucesso terapêutico, tudo passou a ser,  tão somente, um passado de narrativa. O Dr. JHT fizera mais uma travessia ética com profissionalismo na beira do leito.

Qual seria uma palavra que possa resumir os vaivéns de apreciação sobre a conduta corretamente recomendada e praticada com sucesso? Dentre algumas possíveis, elejo o termo indeterminação (ausência de definição clara, indecisão, imprecisão). O médico faz os esclarecimentos para a obtenção do consentimento pelo paciente numa plataforma de potencialidades, enfatizando que uma disposição recíproca – método da medicina x biologia do paciente- é que comandará as realizações, embora possa ser apresentada uma marginal previsão de reais acontecimentos. Otimismo com realismo no cumprimento do Art. 34 do Código de Ética Médica vigente: É vedado ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.

A indeterminação faz lembrar o paradoxo de sorites (significa montes em grego)  que na Antiguidade foi usado para combater o dogmatismo.

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