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701- Na moral (Parte 4)

pedágioQuanto mais a medicina progride nos benefícios, mais preocupado fica o médico com decorrentes maleficios. Cada fármaco, por exemplo, é um bastão com extremidade de realização útil e com extremidade de potencialização de alguma adversidade. Tentativas de minimizar efeitos indesejados por corte da extremidade maléfica sempre deixarão outra extremidade. Na sucessão de eliminação das extremidades indesejadas do bastão, a extremidade útil corre o risco de desaparecer. A metáfora do bastão é Bioética na veia do médico e que mobiliza receptores da prudência.

Pela perspectiva do dano da aplicação da medicina, o paciente adqueiriu o direito de optar por não correr o risco, abdicando assim da beneficência cogitada. O efeito bula é emblemático neste sentido. Não é exagero, pois, dizer que a estruturação ética contemporânea da beira do leito admite o dever da beneficência à mercê do direito à autonomia.

O consentimento pelo paciente com liberdade e esclarecimento é autoridade maior na beira do leito. A exigência traz potencialidades de ajustes dos meios e, assim, a responsabilidade do médico que assume o caso inclui assumir o entendimento  do atendimento como uma obra sempre em obras. Evidentemente, variantes com níveis distintos de tensões e juízos habitam a beira do leito.

A lição é que o status de consentida é condição sine qua non para que a beneficência com todo seu rico suporte tecnocientífico tenha chance de se realizar no paciente. A decisão pelo paciente de beneficência consentida ou não consentida tomada em função da visão sobre maleficências possíveis torna a metáfora do bastão altamente pedagógica.

Matematizar a medicina é tão instigante quanto frustrante. Vale tentar sempre, pela sensação de segurança das ciências exatas. Podemos mentalizar duas equações:

a) potencialidades de beneficência + aceitação das potencialidades de maleficência = entendimento de benefício e consentimento;
b) potencialidades de beneficência + inadmissão dos riscos de maleficência = entendimento de não benefício e não consentimento.

Como toda equação, os elementos podem ter qualquer grandeza, inclusive ser zero. Desta forma, o resultado pode ser desde total aplicação da beneficência da medicina (zero de maleficência inaceitável pelo paciente) até total discordância da beneficência da medicina (maleficências inaceitáveis pelo paciente), passando por composições variadas.

Assim, a conjugação de conhecimentos médicos – beneficência de mãos dadas com o paternalismo- e valores do paciente – juízo sobre não maleficência de maõs dadas com a autonomia-  dentro de uma moldura ética, moral e legal, tem o potencial de sustentar um processo de progressivos ajustes de opções cogitadas. Influências incluem novos dados ou fatos que vão sendo identificados e que provocam interferência de preferências, desejos, valores e objetivos do paciente.

Portnto, a partir da hipótese diagnóstica tradicionalmente formulada com base na anamnese, exame físico e complementariedade dos exames ocorre um andamento depurativo mais ou menos complexo. É onde, habitualmente, os conflitos entre beneficência/não maleficência/paternalismo/autonomia costumam se manifestar.

A Bioética da Beira do leito entende que as cancelas do consentimento devem ser idealmente acionadas- ou não- energizadas pelo compartilhamento médico-paciente o mais flexível possível quanto ao que é da medicina e ao que é da individualidade do paciente e o mais livre para ajustes conciliadores.

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