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690- O não consentimento do paciente, uma minoria forte (Parte 1)

Uma voz discordante do que a medicina validou para atender às necessidades de saúde ouve-se na beira do leito. Ela ecoa desde o paciente. Comunica que não há consentimento para o médico aplicar o método recomendado. O paciente dissonante forma uma minoria. De modo interessante, cada membro embora compartilhe o comportamento não conhece os outros membros e, muito menos, tem a consciência que compõe uma minoria.

Situações de minoria costumam chamar atenção, demandam mais cuidados e  exigem mais proteção. A grande diferença em relação a minorias sociais é que é este tipo de minoritário da beira do leito conta com alta força representativa.

Apenas três letras e gestos firmes de negação são suficientes para deter o vigoroso poder da medicina. É o contrário da bíblica abertura do caminho no mar Vermelho. Um constructo contemporâneo que ascendeu ao topo da hierarquia ética em medicina. Faz muito médico sentir que entrou numa rua sem saída de mão única. O que fazer?

O mais importante instrumento de normatização da atuação do médico na beira do leito – o Código de Ética Médica (2018) – proíbe a aplicação de métodos sem prévio conhecimento e autorização do paciente- É vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado (Art. 22). Não importa a circunstância clínica, salvo o risco iminente de morte.  Ciência e humanismo necessitando de diálogo.

O eventual não consentimento do paciente é um poder que acumula tanto força quanto valor. Ele passou a impor o respeito e a obediência sob a premissa da evitação de uma violência – assim entendida pelo paciente- por parte do médico com nenhuma intenção de extrapolar seu profissionalismo.

A coabitação na beira do leito do dever de atendimento e do direito ao consentimento costuma ter distintas interações motivadas por diferentes momentos da conexão médico-paciente. A propriedade biológica é do paciente e a medicina não tem uma licença subentendida para invadir a intimidade, salvo exceções.

É habitual referir-se ao paciente como uma pessoa vulnerável e necessitada do abrigo a fragilidades. Nada mais justo. Contudo, a condição de vulnerabilidade biológica relacionada à doença não se obriga a uma submissão às estratégias diagnósticas, terapêuticas e preventivas disponíveis – úteis e eficazes- para amparo ao caso.

Num contexto de livre-arbítrio, o habitual é o paciente procurar voluntariamente o médico de acordo com seu entendimento e este não pode deixar de considerar os balizamentos para a sua atuação profissional por preferências individuais do paciente. Prudência e tolerância ganham projeção. Lidar com elas nem sempre é tranquilo.

Simplicidades clínicas geram inseguranças na condução profissional. É o caso do paciente que está acostumado com seus incômodos e se dirige a um pronto atendimento para receber um medicamento que conhece bem e apenas isso. O médico é atencioso mas como não conhece o paciente fica inseguro em não obter alguma atualização do quadro clínico, em não trabalhar alguns diagnósticos diferenciais, inclusive de acordo com protocolos, afinal, a síndrome do vai que… nunca abandona os pensamentos de um profissional previdente. Conflitos acontecem.

A figura tradicional do médico é de uma pessoa mentalmente forte, profissionalmente resistente. O desnível de conhecimento em relação ao paciente estimula a responsabilidade -Princípio XIX do Código de Ética Médica vigente: O médico se responsabilizará, em caráter pessoal e nunca presumido, pelos seus atos profissionais, resultantes de relação particular de confiança e executados com diligência, competência e prudência. Como se percebe, um não consentimento pelo paciente traz embaralhamentos desta tríade norteadora.

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