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689- Afaste da beira do leito o cale-se (Parte 5)

A Bioética esforça-se para que os  novos tempos rapidamente sucessivos da beira do leito valorizem a mediação em conflitos de expressão da autonomia, o que, de certa forma, representa um comportamento de paternalismo profissional sustentado pela prudência e pela tolerância. Vale dizer, a Bioética apoia a apreciação crítica sobre  almejados benefícios em meio a potencialidades de malefícios e estimula o compartilhamento entre a autoridade moral do médico que detém o conhecimento tecnocientífico com as preferências do paciente, que, diga-se de passagem, mostram-se, frequentemente, instáveis no campo da saúde. Um paternalismo que diríamos fraternal.

Entusiasmado pela concessão de voz ativa ao paciente, eu que guardava a incômoda lembrança do início da década de 70 em que pacientes não eram esclarecidos pelo médico, passei a formular para o paciente as opções com prós e contras sem me posicionar em situações de segunda opinião sobre operar ou não um portador assintomático de valvopatia avançada. Logo percebi que o paciente mostrava-se frustrado e que ficava no ar uma interpretação de insegurança profissional pela não definição da minha parte, afinal, a expectativa do paciente/familiar por uma precisão malograva. Aprendi que nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Uma dose de paternalismo faz parte das expectativas de pacientes! Especialmente, porque não há a pressuposição de uma restrição de liberdade de decisão para o paciente.

Convenci-me que há um paternalismo médico sadio que de nenhum modo representa contraposição ao direito do paciente de se manifestar livremente, portanto um grau técnico de influência na decisão. Conscientizei-me que eventual não consentimento do paciente pode ser provisório e com necessidade de um amadurecimento do processo de tomada de decisão. A vivência na beira do leito ensina como preferências manifestas são instáveis e passada a intervenção enfim consentida, pacientes agradecem a atenção orientadora e explicitam quais eram os temores.

Trabalhar na beira do leito reforçou a validade da visão de paternalismo libertário, um oxímoro, pois o contexto da expressão sobrepuja a aparente exclusão mútua dos termos. De fato, uma atitude paternalista comedida do médico comprometido com o paciente pode conduzir para a libertação de amarras emocionais/não racionais por parte do paciente. É difícil o (não) consentimento do paciente ser estritamente autônomo, o ser humano é gregário, especialmente em situações de vulnerabilidade, ele é influenciado por circunstantes- familiar, amigo, outro paciente e, inclusive por memória desagradável com fatos acontecidos consigo ou familiar próximo. Por que não, então, uma insistência compreensiva do médico, emoldurada pelo respeito à dignidade da pessoa humana, ante uma negativa inicial à recomendação benéfica e reversora de um mau prognóstico natural?

Entendendo que o aspecto ético essencial para a radical demonização do paternalismo é o potencial de desrespeito à pessoa do paciente, que o não consentimento pode ser temporário pois preferências podem ser vacilantes, que más notícias causam nocautes emocionais necessitados de tempo para melhor absorção, parece-me justo adjetivar o paternalismo em forte e brando. Constitui adaptação ao referido por Joel Feinberg (1926-2004) – Feinberg J. Legal Paternalism. Canadian Journal of Philosophy 1971;1:105-124: como liberdade é a norma, alguma interferência necessita de justificativa moral. 

Assim, o paternalismo forte é inaceitável porque está associado a uma ilegitimidade moral quando o paciente está plenamente capaz, caracterizando uma violência. Já o paternalismo brando é admissível porque não representa uma degeneração moral do exercício da beneficência/não maleficência, pelo contrário, ele contribui para a preservação do dever de prover o máximo aclaramento sobre causas e consequências e plenamente disposto a promover o vaivém elucidativo que, atualmente, dignifica a conexão médico-paciente.

A adjetivação do paternalismo tornou o exercício do direito à autonomia pelo paciente mais  consistente com o mundo real tecnocientífico e humano. O paternalismo brando encaixa-se no conceito de convivências admissíveis entre heteronomia e autonomia.  De fato, a validade do prolongamento opinativo do médico para depois de um não consentimento inicial é ético e pode ser  ilustrada  na figura da segunda opinião- uma iniciativa do paciente desejoso da máxima proteção. Pode o médico da segunda opinião ignorar uma demanda nitidamente alinhada ao paternalismo?

Assim como razões sociais mudam de nome para eliminar malvistos, fica a sugestão ao bioamigo: Vamos pensar numa renomeação para o paternalismo brando que possa cancelar a pecha indevida do termo paternalismo? Vamos dar tratos à bola!

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