O dia-a-dia profissional do médico costuma transcorrer no automático. No ambulatório, entra o paciente, desenvolve-se uma integração de anamnese, exame físico e exames complementares, constrói-se um planejamento – diagnóstico, terapêutico e/ou preventivo-, providencia-se a execução – prescrição de medicamento, por exemplo-, e mentalizam-se perspectivas evolutivas que incluem necessidade de análise de resultados e eventuais ajustes e novas etapas.
O automático encobre a conscientização permanente pelo médico durante o atendimento que está trabalhando com métodos e com ferramentas. A anamnese é um método e o diálogo é a ferramenta. A ausculta cardíaca é um método e o estetoscópio é a ferramenta. A imagem de uma estrutura interna é um método e uma máquina é a ferramenta.
Considerando, então, que método representa uma sequência lógica em busca de um objetivo e que ferramenta é o recurso que possibilita, a telemedicina como termo guarda-chuva é um método. Um método de conexão – médico-paciente, médico-médico, medicina- médico- que se vale de ferramentas eletrônicas e redes de comunicação.
A telemedicina como método permite que o encontro medicina- médico-paciente possa ser não presencial exigindo um conjunto de ferramentas e, evidentemente, habilidades para o manejo. O método não presencial pode ser um substituto do presencial ou um seu complemento, ou, ainda um suplemento. É rotineira a complementação não presencial do presencial por um exame solicitado e a suplementação por uma informação evolutiva pelo paciente.
Portanto, é habitual que atuais encontros presenciais entre médico e paciente tenham sequências não presenciais por telefone, aplicativo de mensagem, e.mail, que se abrigam sob o guarda-chuva da medicina efetuada à distância.
Encontros com forte conotação moral motivam expansões e carregam limitações. Cada médico atuante já balizou sua expansão do encontro presencial para o não presencial, desenvolveu seus comportamentos de lidar com o telefone, o aplicativo de mensagem e o e.mail, cuidando para respeitar as limitações impostas pelas normas éticas e as leis, seu próprio estilo de vida e comportamentos do paciente.
Desta forma, já há uma vivência com cenários substitutivos e cenários à disposição do encontro médico-paciente à distância por meio de conexões cada vez mais contendo eficiência comunicativa. Um efeito do determinismo tecnológico. Ferramentas propiciando métodos. O profissional tão refém quanto propenso a equivalências à síndrome de Estocolmo.
Por outro lado, qualquer expansão do método presencial para o não presencial precisa se preocupar com a ferramentaria para a recepção da medicina. Suas disponibilidades, capacidades de manejo e crítica dos efeitos pretendidos. Se o método à distância poderá suprir carências locais de médicos, que o adjetivo remoto da localidade- algo depreciativo- seja promovido na comunicação para algo apreciativo, ou seja a disponibilidade receptiva de qualidade. Caso contrário, há risco de o método não presencial somente habitar onde há o presencial.
Na consideração da teleconsulta como uma prestação de serviço com maior formalidade jurídica, destaca-se uma concentração de preocupação com sua vigência na vertente paciente – o alvo da atenção- da conexão médico-paciente. Inclui um conjunto de ferramentas que não são necessárias no presencial, muitas, evidentemente, de ordem eminentemente técnica, mas também, muitas na ordem dos valores, como proporcionar, de fato, o efeito diagnóstico, terapêutico e/ou preventivo almejado, preservar o caráter humano da relação médico-paciente, e o compromisso dos provedores da saúde assumirem responsabilidades com o consentimento esclarecido, o sigilo profissional e demais de ordem ética e legal.
A Bioética está no circuito, atenta e disposta a exercer seu papel de colaboração e de vigilância sobre responsabilidades com o mais alto nível possível de beneficência e de não maleficência. Por exemplo, na interpretação de artigos conflitantes do Código de Ética Médica vigente.