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566- A assimilação da Bioética (Parte 2)

Conexão BLlivroO interesse progressista sobre a tradição da Medicina, o valor moral incrustado no significado de beira do leito, a rejeição a qualquer tipo de violência, a demanda por liberdade de mãos dadas com “estou ciente do que estou fazendo”, o rigor no pensamento sobre técnica e ciência, a flexibilidade sobre padronização de condutas frente à diversidade da condição humana e a tolerância a contraposições.

Tudo isto – e alguma coisa a mais- diz respeito à Bioética que tem almejado – com pouco sucesso- uma inclusão institucional, vale dizer, ter a oportunidade de dar uma contribuição de natureza mais existencial sobre as variações do comportamento humano no mundo real, do que, propriamente, de caráter disciplinar.

Pode-se dizer que a Bioética não pretende “bioetizar” a instituição de saúde, não intenciona imposições doutrinárias, mas, sim, institucionalizar-se, “fazer-se parte”, conquistar um lugar de colaborador para o desenvolvimento de um clima de moralidade, ética e legalidade.

Em nossas instituições de saúde, envolvimento com a Bioética, quer como membro de um Comité, quer como pessoa isolada, significa fazer parte de uma minoria entre os profissionais da saúde. Há uma adesão por motivação muito pessoal, uma espontaneidade que independe de normas institucionais específicas.

A maioria complementar “não motivada” costuma ter em conta que a referida minoria: a) não está enraizada na instituição de saúde, é como se ela flutuasse no organograma; b) ela não se faz conectada aos demais profissionais de saúde, se eventualmente convocada e utilizada, é rapidamente devolvida a sua “virtualidade”; c) se o ambiente está assegurando ou não ao praticante de Bioética um sentido de pertencimento à instituição de saúde, soa questão indiferente. Em outras palavras, há para a maioria dos profissionais da saúde mais coisas entre a Medicina e o paciente na instituição do que sonha a nossa vã bioética.

Neste contexto, é visível que a “minoria motivada” tem uma tendência a criar um pequeno espaço para si e se isolar numa “bolha de intelectualidade”, e aparenta satisfazer-se pela prática periódica de “ginástica de neurônios” fortalecedora do saber e da sabedoria. Mas, lá no fundo, a ideia-sementinha de Potter (Van Renssalaer, 1911-2001) de Bioética como uma ponte fica cutucando. Desassossega que o significado de ponte é um elemento para ligar partes separadas por um vão.

Bom, a estrutura para sobrepor pode ser muito bem a instituição de saúde “indiferente”, mas, a ligação é entre a composição biótica do ecossistema da beira do leito. E aí, apresenta-se uma situação sui-generis: cada componente da referida minoria que “faz” Bioética, “faz” muito mais, pois tem sua profissão, sua área de atuação na mesma instituição de saúde, quando, então, curiosamente, compõe os blocos que se somam na maioria- clínico, cirurgião, enfermeiro, farmacêutico, gestor, advogado, etc…

Por isso, – eis relevante constatação diagnóstica – aquela mesma pessoa que fala um dialeto estranho  e faz reuniões de conteúdos que soam herméticos é agora vista enraizada, conectada e se sente em “solo pátrio” comungando mesma linguagem.

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Crédito: https://dumielauxepices.net/sites/default/files/migration-clipart-human-bridge-682617-6891854.jpg

Acontece, pois, uma duplicidade de reconhecimento inter-pares que acomoda e incomoda. Surge, então, a ideia: Ponte biótica, mais ligação de gente com gente do que institucional propriamente dita.

Tais circunstâncias estão ligadas a percepções de relação entre o tempo quantitativo – mais horas na especialidade do que na Bioética- e o tempo qualitativo – nível de contribuição institucional-, que, de certa forma, contribuem para dificultar a capilarização da Bioética no ecossistema da beira do leito, ou seja, ocasionando a pouca influência na instituição de saúde. Há três  destaques:

1- Baixa valorização

Não parece que as razões da minoria praticante da Bioética sejam cativantes para os demais. Assim, exaltar a bioética pela bioética, expressar em alto e bom som a satisfação e a elevação moral que provoca, são manifestações que não convencem a maioria complementar que há  vantagens na disponibilidade institucional da Bioética. Os esforços da minoria para dar “o máximo de si” num plano doutrinário, o esmero na apreciação das demandas éticas, morais e legais do cotidiano profissional não têm obtido o sucesso pretendido. Tudo se passa como se houvesse uma predisposição individual para o entusiasmo ou a indiferença. Um entusiasmo pelo lado reflexivo, livre indagador, transgressor, reformador e propositivo “fora da caixa” identificado com a Bioética que fica inibido na atividade primária de predomínio “em manada”, como acontece com condutas tecnocientíficas diretriz-orientadas. Entendo que possibilidades de elevação do nível de valorização da Bioética pela maioria “não iniciada” rumo a uma fidelidade mínima que seja, dependem dos bons resultados da aplicação, especialmente, se sequentes e aliviadores de tensão profissional, vivenciados pelos componentes da maioria, o chamado efeito caso a caso “condicionador” pela utilidade. Em suma, da mesma forma com que a maioria “não iniciada” reconhece o valor dos métodos diagnósticos e terapêuticos e se sente profissionalmente compromissada com a aplicação da tecnociência validada, firmar um comprometimento com a Bioética precisa da reprodução da mesma percepção de “metodologia” que funciona para solucionar necessidades consecutivas, e, na especificidade da Bioética, mostrar-se digna da “convivência”, do coleguismo pelas oportunidades de incorporar dicas para prevenção de embaraços na relação médico-paciente- instituição.

2- Auto-segregação como minoria cultural

O caráter transdisciplinar e multiprofissional da Bioética provoca troca de conceitos e de métodos que um membro do Comité domina e os outros passam a conhecer e a utilizar, o que significa o desenvolvimento de uma cultura integrada, inclusive por saberes que não “se aprendeu na Faculdade”. Esta cultura da Bioética em minoria não compromete o trabalho da maioria, mas não é requisitada. Em outras palavras, há uma autonomia cultural que não compartilha com a história institucional.

3- Ausência de um poder corporativo forte da Bioética

A maioria que é aquela que pratica a atividade primária costuma ter uma referência forte em organizações, por exemplo sociedades de especialidades nacionais e estrangeiras. Elas ditam orientações, como diretrizes, que são ansiadas e acatadas. Já se disse que para ser minoria respeitada e seguida em um determinado local precisa ser maioria em outro. A Bioética não tem, ainda, esta referência forte que provoca um status majoritário pela soma de atuações convergentes e espalhadas.

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COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Excelente posicionamento. O auto titulamento de representantes do bem, de escolhidos para prática da melhor medicina, não garante uma posição modificadora na relação pacientes-profissionais de saúde. Seu reconhecimento como braço ativo dentro de um organograma institucional é o início de um longo caminho de construção.

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