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563- Paternalismo, o fraco, mais um pouquinho (Parte 1)

Conexão BLlivroA herança hipocrática está presente no ecossistema da beira do leito em meio aos progressos tecnocientíficos e às novas condutas humanas. O legado de Hipócrates (460 ac-370 ac) convive com a coleção de recomendações reunidas no Código de Ética Médica, que na edição recém-publicada pretende uma atualização alinhada com nossos tempos.

O patrimônio hipocrático sustenta a disposição interior – “mente e coração  de médico”- para praticar o bem pelo uso do acervo vigente da tecnociência validada. O Código de Ética Médica adverte sobre a prática do mal, um ceticismo enraizado no É vedado ao médico como caput de cerca de uma centena de artigos cuidando da evitação do mau uso e do abuso.

Novidades e inovações tecnocientíficas na área da saúde mobilizam as disposições reativas interiores do ser humano e as exteriores normativas que nem sempre se mostram preparadas. A Bioética contribui para alinhar a relação médico-paciente aos sucessivos e desafiadores estímulos do ecossistema da beira do leito exigente de respostas sensíveis a memórias e solidárias a esperanças sobre oportunidades do bem e ameaças do mal.

Ocorre uma tensão natural no ecossistema da beira do leito entre um “conservadorismo” hipocrático que foca uma interpessoalidade médico-paciente pela autenticidade das características próprias de cada partícipe e uma visão “progressista” cuja legitimidade está centrada em conceitos normativos que teriam que ser comuns a todos. Algo como uma naturalidade aceita pelas partes, contudo com risco de ser considerada “esquisita” versus uma imposta “uniformidade planejada em manada”.

Desta maneira, afigura-se um paradoxo em torno do majestoso princípio da Autonomia, ou seja, ele pode representar mais o exercício da antítese de uma heteronômica e global demonização do  paternalismo do que o fruto da fé profissional no respeito ao livre arbítrio da pessoa do paciente. As consequências conflituosas resultam óbvias.

O bioamigo há de concordar que o fato é inquestionável: a maioria das tomadas de decisão no ecossistema da beira do leito acontece com um consentimento imediato sem maiores questionamentos pelo paciente à recomendação do médico (“… Doutor, o médico é o senhor…). O alinhamento majoritário do leigo com o script da Medicina de excelência significa que os atributos do consentimento – livre e esclarecido- devem ser referidos à Autonomia de modo distinto. Assim, o consentimento é livre porque expressa o direito autonômico à voz ativa para quaisquer tipos de reação e é esclarecido por forte influência da comunicação efetuada pelo médico, vale dizer, da herança paternalista de prover os cuidados mediante a apresentação da realidade da Medicina, pela consciência profissional que o senso de compreensão do paciente exige uma estrutura treinada para fornecer as informações.

“Esquecimentos” do médico na obtenção do consentimento pelo paciente acontecem na intimidade de número expressivo de casos. A Bioética preocupa-se com estas dissonâncias entre o  respeito que se declara no mundo conceitual ao princípio da Autonomia e as eventuais indiferenças observadas no mundo real.

O ecossistema contemporâneo da beira do leito convive, assim, com uma régua ética que tem, numa extremidade, a anti-eticidade total, evidentemente, não recomendável, e na outra extremidade um “eticismo” expresso no caput É vedado ao médico dos artigos do Código de Ética Médica, preocupação quanto ao poder da ética que está sujeito a exageros porque juízos dependem muitas vezes de interpretações caso a caso, que, inclusive, desaconselham a vedação. No interior da régua mentalizada, graus de exercício do paternalismo, o fraco, podem conviver assimilados com direito à autonomia pelo paciente, sem representar nenhuma violência à legitimidade do consentimento. Em outras palavras, se o princípio da Autonomia é guardião contra o mau uso e o abuso do poder da Medicina, nem toda expressão de paternalismo é abuso.

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