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532- Medo, não consentimento e paternalismo fraco

A Medicina convive com o medo, a emoção capital do ser humano. Incertezas, suposições e realidades fundamentam desejos do paciente por interpretações que causem alívio. Movimentos para amenização do medo estimulam desvios de verdades objetivas e afluem para o universo das pós-verdades onde, de si para si mesmo, temidas confirmações sobre males podem ser manipuladas pela mente crente e emocionada.

É cenário em que comportamentos de imunização cognitiva afastam pacientes do contato com fontes confiáveis de informação e orientação. Seleções de captação de conhecimentos sustentam desvalorização acrítica de pedidos de socorro do corpo na forma de sintomas. A ocultação de sintomas, inclusive um estado de contra-hipocondria, é mais comum do que se possa imaginar.

A sensação de medo pode fazer o paciente se isolar, esconder-se pelos sintomas, transparecer normalidade apesar de manifestações clínicas. Muitas anamneses revelam este período incógnito que precede o momento em que a progressão da história natural da enfermidade ultrapassou a possibilidade da manutenção em segredo, ou, então, houve a revelação por um “achado” de exame em “assintomático”.

Uma forte influência do medo se dá, também, no processo de consentimento pelo paciente à recomendação médica. É quando o paciente não confirma sua aceitação ao acenado pela Medicina, alegando quer um entendimento de desnecessidade, quer a falta de vontade de passar pelos riscos, ambas as situações ditadas pelo viés do medo.

De fato, o binômio autonomia-consentimento, este primordial direito do paciente de ter voz ativa na relação médico-paciente, tem a sua lógica perturbada pelo medo. Evidentemente, há várias expressões, mas o medo paralisante precisa de maior reflexão do significado de livre-arbítrio, um aprisionamento cognitivo, um enfraquecimento do poder psíquico de enfrentamento que merece atenção da Bioética.

Há algumas formas de facilitar a superação do excedente de medo (inexiste o nível zero) do paciente na beira do leito  que está sustentando uma narrativa de não consentimento pelo paciente. Elas incluem o acolhimento, o esclarecimento e o tempo qualitativo disponibilizados pelo médico e equipe multiprofissional.

Por isso, a Bioética da Beira do leito rejeita vigorosamente a demonização do termo paternalismo na sua modalidade fraca, ou seja, uma persistência pela conscientização do paciente sobre o que ele ainda “não se convenceu”, sem proibições ou coerções.

Análises sobre a condição mental que permeia o (não)consentimento são essenciais na beira do leito  contemporânea. Embora o não consentimento seja minoria, ele enseja avaliações não somente da incapacidade cognitiva formal (ligada à demência, por exemplo), como também, daquela que representa uma blindagem pelo medo da aptidão para tomar decisões que tocam no prognóstico, vale dizer, na qualidade de vida e na sobrevida perante enfermidades.

Na beira do leito, Não é Não constitui sentença a cumprir. Entretanto, a disposição do médico para o emprego do paternalismo fraco para que o paciente saiba exatamente do que ele precisa ponderar sob a óptica da Medicina e, assim, tenha oportunidade de declarar um Sim perfeitamente alinhado com o seu melhor interesse é atuação ética em conformidade com a melhor integração entre os Princípios fundamentais XXI- No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas e II- O alvo de toda a atenção do médico  é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

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