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501- Método + (não)resultado=violência

Quando leio no noticiário sobre mais uma agressão de familiar a médico renovo meus pensamentos sobre a velha  questão que a Medicina é uma atividade de empenho, de meios, mas não de certeza de resultado, o que pode exercer grande impacto na satisfação e na fidelidade ao médico ético do paciente que se sente infeliz com a evolução clínica. Especialmente quando o atendimento é realizado em ausência da confiança adquirida ao longo do tempo pela fidelidade na relação médico-paciente tradicional.

Insucessos estão presentes na Medicina e são dimensionados por estatísticas sobre riscos de variadas adversidades. Embora o conjunto dos métodos a serem aplicados não se enquadre em percentuais  muito altos – caso contrário seriam taxados de proibitivos ao uso-, cada insucesso individual representa o percentual de invariável 100% perante frustrações da expectativa que foi declarada majoritária para o paciente/familiar/responsável.

É do cotidiano da beira do leito que numa conduta etiopatogênica expectante inicial em que é somente aplicada uma medicação dita sintomática, a persistência ou o agravamento da manifestação clínica provocam o retorno ao médico com um clima de elevação da temperatura emocional. A hipertermia mental é determinante de uma predisposição do paciente/familiar/responsável para rejeitar a repetição da conduta que admite não ter dado certo. Extratos de bom senso aliados à condição humana plural justificam a espera do paciente/familiar/responsável por um  passar de borracha sobre a condução prévia e por um ativo lápis esboçando uma distinta conduta. É também matéria-prima para o uso da chamada Medicina defensiva pelo médico que vê razão em documentar melhor sua atitude de manutenção da conduta expectante por meio de exames “afastadores” de diagnósticos supostos pelo paciente/familiar/responsável.

A circunstância da persistência da mesma manifestação clínica sem gravidade na óptica do médico e que faz insistir na orientação sintomática/não etiopatogênica, particularmente propícia para o confronto com uma visão do paciente/familiar/responsável de necessidade de providências mais eficientes, ilustra a contraposição entre o alcance do prognóstico mentalizado pelo profissional e sustentado pelo saber tecnocientífico e projeções inquietantes do leigo sobre o futuro da atualidade evidente.

A prática deste tipo de atitude profissional sustentada no rigor clínico e manifesta numa conduta que terá admitida pouca influência beneficente imediata no caso não pode desconsiderar, entretanto, uma visão de abertura para inesperados e até mesmo para desconhecimentos, que poderiam ser superponíveis aos receios do paciente/familiar/responsável, razão da necessidade de atenção do médico ao exercício da tolerância (virtude do respeito a opinião oposta).

O problema é que a tolerância não somente associa-se a uma gama de comportamentos que se situam  entre apenas ouvir e total acatamento da opinião contrária, como também deve ocorrer dos dois lados. Sabe-se que por parte do paciente/familiar/responsável, a emoção, ao contrário do esperado racional do médico, é pavio comburente para incendiar atos de violência verbal e/ou física, motivados por um misto de frustração com a não atenção ao desejado e de temor pelo agravamento evolutivo da condição clínica. O imaginário da bola de cristal não resolve, sendo que a do médico tornou-se providencialmente opaca no primeiro dia de aula na Faculdade de Medicina. Suas fantásticas alegadas mil e uma utilidades são na verdade para o médico mil e uma noites mal dormidas para poder “adivinhar” o futuro sob a denominação de prognóstico clínico experiência-dependente.

O princípio da autonomia reza que o paciente/familiar/responsável tem o direito de participar ativamente da tomada de decisão sobre suas necessidades de saúde, não deve ser um passivo sujeito a uma imposição significando falta de compreensão do que está se passando. Respeitá-lo é profissionalmente preciso, o que é representado na prática por um processo de esclarecimento do paciente pelo médico em busca do consentimento. Assim, temos a atualidade anti-violência na beira do leito do Sim é Sim e Não é Não. Todavia, não se pode esquecer que a necessária prática da tolerância tem limites e que eles são imprecisos e sujeitos a rabiscos destituídos de lógica. Enquanto que o médico tem o seu comportamento orientado por um código de ética profissional, o paciente/familiar/responsável, apesar de sujeito à cidadania, pode atuar sob impulsos de momento pelo desejo de transformar o Não do médico na verbalização de um Sim exigido.

Solicitações do paciente podem, evidentemente, esbarrar em objeção de consciência profissional, que é ditada pelo exercício da prudência que entende ausência de critérios para admissibilidade de ajustes no rigor tecnocientífico, inclusive, com possibilidades de provocação de malefícios por uma atuação com relação risco/benefício desfavorável.

Em consequência, a inexistência de flexibilidade ética que permita, de certa maneira, abrigar certas concessões ao desejo do paciente/familiar/responsável, como a prescrição de um antibiótico “todo poderoso”, a realização de um exame  “iluminado” de imagem e a internação hospitalar “aliviante” para observação.

Cada caso é um caso, cada médico é um médico, cada paciente/familiar/responsável é um paciente/familiar/responsável, cada reação de intolerância é uma reação individualizada. A expressão maior de tolerância do médico é a disposição para o diálogo que informa e explica. Da parte do médico -profissional, autoridade – exige-se pela ética que a conversa ocorra sustentada por comunicação não violenta, ou seja, o uso de palavras ao mesmo tempo firmes na argumentação e respeitosas do interlocutor sem aposição de rótulos de juízos moralizantes. Da parte do paciente/familiar/responsável, se haverá reação mais tolerante ou mais intolerante é sempre caixinha de surpresas da beira do leito por mais que tenha havido a vontade do médico de atender o plausível.

Paciente vive, literalmente, do resultado da conduta. Médico vive, profissionalmente, do método acionável para conduta. Desarmonias acontecem e geram confrontos que requerem a participação  pró-harmonizadora da Bioética.

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