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475- Anamnese inclusiva

É válido dizer que determinado paciente faz parte da equipe do médico? Ou, então, que a sua (dele) participação ativa no processo de tomada de decisão ao gosto da Bioética representa aquisição de umas pitadas de profissional para a sua condição de leigo? Parece-me instigante refletir sobre estes questionamentos. Considero oportunidade para pensar fora da caixa, propor-se a ser tocado pelo estímulo criativo da cultura baseada em Bioética. Como já nos ensinou Francis Bacon (1561-1626), triste não é mudarmos de ideia, triste é não termos uma ideia para mudar.

Neste século XXI, vivenciamos o tempo da relação médico-paciente que se pretende máxima continuidade de troca de informações ao longo das várias fases de um atendimento. Canais de comunicação precisam estar permanentemente abertos na beira do leito como fundamento da conexão médico-paciente. Se o valor da  verbalização do paciente, não faz muito tempo, era tão somente a manifestação de anamnese clássica (pré-diagnóstico) e anamnese estendida (pós-terapêutica, conhecida como notícia da evolução), atualmente, espera-se uma sucessão de diálogos ao longo das várias etapas do atendimento, uma conectividade interpessoal objetivando a progressão tanto de esclarecimentos pelo médico, quanto do processo de adesão elucidada pelo paciente.

Qualquer rigidez da ordem clássica anamnese, exame físico e exames complementares só vale para efeitos de um panorama didático numa aula inaugural. No mundo real ético da beira do leito, anamnese vai muito além de uma entrevista para exprimir a memória do paciente, encaixa-se no espírito do acesso à informação e, em decorrência, o que predomina é o vaivém do diálogo anamnético entre eles (considerando, claro, uma idealidade para o exame físico hoje capturado por agentes de antiquários da Medicina).

A  Bioética da Beira do leito reforça que a anamnese tradicional como ponto de partida do atendimento, é momento-chave do acolhimento ao paciente, onde começa o emprego da beneficência e da não maleficência, onde o paciente expressa-se livremente, onde ele revela e omite fatos espontaneamente, e assim, este aspecto de exposição segundo sua decisão já representa expressão da autonomia. Uma vontade pessoal em busca de um empenho profissional que a ela se ajuste.

Acresce que é onde uma conexão humana mais dinâmica começa a se desenvolver por meio da anamnese dirigida, ou seja, aquela tutelada pelo médico, passo representativo do  interesse do médico para o preenchimento de lacunas gerais (antecedentes familiares, por exemplo) ou específicas (complementações motivadas pelo revelado pelo paciente). Anamnese como método introdutório ao atendimento é, portanto, numa linguagem com viés da Bioética, abertura essencial  para a aplicação dos princípios da beneficência, não maleficência e autonomia, inclusive, para uma visão pela ética da responsabilidade que entende que devemos responder não somente por nossas intenções, mas também pelas consequências que possam ser previstas.

Esta plataforma montada pela Bioética com matérias-prima da comunicação facilita valorizar os movimentos de vaivém da anamnese (anamnese estendida) entre os exames, significando a persistência deste empoderamento (neologismo criado por Paulo Reglus Neves Freire, 1921-1997) do paciente que sempre houve na anamnese tradicional. Corresponde ao direito do paciente e se comunicar com independência – é característica do empoderamento- para se revelar ao médico como deseja a qualquer momento, uma participação crítica com graus de autenticidade e de dissimulações que a experiência profissional ajuda a distinguir, vale dizer, o uso da liberdade para fazer escolhas de palavras pró-ativas ou reativas a respeito de si próprio como aquele que mais sabe o que com ele se passa (física e emocionalmente), e, enfatize-se, ganha um puxadinho de conhecimentos que o médico faz saber à medida que dados e opções vão se materializando.

Assim é o paciente contemporâneo, uma real personificação do seu prontuário, uma interação com o médico. Se o prontuário sob o ponto de vista ético sempre pertenceu ao paciente, mas ele frequentemente ignorava o seu conteúdo, a modernidade de braços dados coma Bioética, entretanto, entende que o paciente precisa estar ciente e consciente das informações constantes do prontuário, esclarecido dos significados num quantum satis para um leigo em Medicina, para quem conhece a si próprio como doente e passa a conhecer sobre a doença.

O paciente incluso no processo de tomada de decisão, pensando, avaliando, recebendo e emitindo uma anamnese a qualquer momento, colaborativa com o médico para o sentido de prudência e de zelo na atenção às necessidades da sua saúde.

 

 

 

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