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437- Esclarecimentos não devem ser simplificados

O desenvolvimento do processo do consentimento livre e esclarecido, renovável e revogável pelo paciente é essencial na relação médico-paciente contemporânea. O paciente tem que saber o que nunca soube numa circunstância de vida habitualmente perturbadora do controle cognitivo ideal. A escolha pode exigir desde rapidez de decisão até uma protelação sem prazo. O racional do consentimento está mais próximo da visão de dano do que da de benefício. De fato, qualquer procedimento de qualquer natureza que seja efetivo deve ser apresentado ao paciente como passível de provocar alguma anormalidade. Assim como o médico costuma entendê-la como um acontecimento estatístico do procedimento impossível de individualizar mas com chance também estatística de superação, o paciente vê-se como um candidato ao enquadramento na estatística de dano e não necessariamente na de sequente superação. Por isso, a migração do consentimento da pesquisa para a assistência.

O esclarecimento refere-se, essencialmente, aos efeitos classificáveis como benefício e como adversidade. Refere-se ao nível de segurança para a qualidade de vida num contexto mais tardio e de  comprometimento do conforto num contexto mais próximo, associados à conduta recomendada numa dada condição clínica, em função de as verdades beneficentes da Medicina conviverem com certezas e alta probabilidade de acontecimentos desagradáveis, eventos transitórios ou definitivos, bem como com imprevisibilidades de danos. Numa linguagem utilitarista, o esclarecimento  visa a evitar manifestação do paciente do tipo:  “… se eu soubesse não teria me submetido…”.

O termo (foi)esclarecido subentende que: a) foram dadas ao paciente as informações fundamentais para que ele assumisse responsabilidades com escolhas  que lhe representem boa atenção a suas necessidades de saúde; b) um diálogo médico-paciente esteve ativo para tirar dúvidas e aplicar complementos; c) eventuais divergências do paciente em relação às proposições de métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos puderam gerar ajustes na medida do possível; d) verdades técnico-científicas  apresentadas puderam competir com exercícios de analogia e de imaginação pelo paciente ante o desconhecido, bem como com influências comuns de circunstantes; e)  um não consentimento terá sido o mais autêntico por parte do paciente, não importa o quanto possa haver de influência dos circunstantes; f) criou-se um clima mais favorável de cumplicidade médico-paciente para o período evolutivo pós-aplicação.

Pode-se pensar que o médico deve simplificar suas explicações. Na verdade, o que deve prevalecer é a simplicidade das palavras visando à compreensão por quem não está acostumado ao jargão da Medicina. O objetivo do processo de consentimento não é  tornar a escolha em si exatamente mais fácil para o paciente. As dificuldades – e cada caso terá as suas- não devem ser abrandadas por supressão de itens polêmicos ou por acréscimos de tranquilidades inexistentes nos textos – o que não prejudica a manifestação do otimismo que fortalece a confiança. Em outras palavras, os riscos da aplicação vantajosa do benefício numa dimensão quantum satis precisam estar bem conscientizados pelo paciente para dar legitimidade ao consentimento verbalizado ou por escrito.

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