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341- Sigilo escapando pelos dedos (que clicam)

Noticia-se que imagens da tomografia do crânio realizada pela paciente MLLS tornaram-se públicas e determinaram providências administrativas no hospital do atendimento e investigação ética pelo Conselho Regional de Medicina do estado de São Paulo.  http://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2017/01/epoca-negocios-conselho-de-medicina-investiga-vazamento-de-exames-de-mulher-de-lula.html.

Um dos pilares da Ética Médica é a preservação do sigilo profissional. Os fatos e os dados do paciente lhe pertencem, são sua propriedade. O médico utiliza-os para atender as necessidades de saúde, consentido pelo paciente num ato de confiança, todavia, lhe é vedada qualquer eventual  revelação fora do âmbito do interesse do atendimento. Em outras palavras, o prontuário onde as informações são obrigatoriamente registradas deve ser entendido como um diário íntimo do paciente. Por isso, o conhecimento de parte ou de todo o prontuário por pessoa estranha ao atendimento só é permitido pela expressa autorização do paciente/representante, ou por ordem judicial, ou para cumprir a legislação sobre Lista Nacional de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória.

O sigilo médico data de Hipócrates (460ac- 370 ac): Aquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Após cerca de 25 séculos desta tradição nunca questionada, na atualidade, quando há interesse numa divulgação pública, o meio é o boletim médico que, antes da divulgação é apresentado ao paciente/representante para análise e concordância.

Nem sempre pode-se assegurar a rigidez de sigilo, especialmente em situações agudas, inesperadas e envolvendo nomes de pessoas de domínio público e que se tornam manchetes. Assim, diagnósticos até com detalhes – acidente vascular cerebral hemorrágico no caso da paciente MLLS e o politraumatismo e não afogamento no caso do eminente ministro TAZ- escapam no calor da emoção e driblam qualquer austeridade em relação ao segredo.

É comum, inclusive, nos inteirarmos de diagnósticos de celebridades na mídia, muitas assim nomeadas porque talento foi substituído por visibilidade midiática, doenças nem sempre confirmadas, e com dificuldade de se saber se foram devidamente informadas por médico e autorizadas pelo paciente, alguns tendo até um quê de fofoca. Recorde-se que o sociólogo inglês Chris Rojek (nascido em 1954) salientou que muitos tornam-se famosos apenas porque todos sabem quem eles são, e assim, qualquer acontecimento com eles – de preferência danoso- desperta indiscrições.

Desta maneira, percebe-se que a blindagem da curiosidade como princípio do sigilo profissional tem frestas e, eventual apreciação formal ética sobre vazamento depende de uma denúncia verbal ou por escrito, ou  mesmo  ex-officio pelo Conselho Regional de Medicina após noticiário público.

Depreende-se, pois, que a privacidade de uma figura pública relaciona-se com a liberdade de expressão de modo distinto da de um cidadão conhecido apenas num meio restrito. Neste contexto de matéria a ser divulgada, jornalistas pretendem bem informar o público e, assim, desejam o médico como a fonte segura da comunicação.

Na verdade, ocorre uma contraposição de Códigos de Ética profissional. O dos jornalistas inclui o  Art. 9° – É dever do jornalista divulgar todos os fatos que sejam de interesse público. O vigente dos médicos dispõe no Art. 73- É vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.

A conciliação desejável é que haja uma expansão da relação médico-paciente para médico-paciente-jornalista, em que a figura do paciente -ou seu representante- deve orientar/consentir o teor das informações a serem divulgadas, cabendo aos profissionais desempenharem-se na interlocução com o máximo de objetividade e respeito aos limites técnico-científicos da Medicina e ao decoro do Jornalismo.

A notícia acima informa que fotos e imagens em vídeo dos exames da ex-primeira-dama circulam desde o dia da internação nas redes sociais. Este comportamento, caso verdadeiro, desrespeita o compromisso de todos os profissionais que trabalham num hospital, independente da função, com a preservação do sigilo médico. Facilidade sempre à mão de captação e difusão instantâneas de imagens para redes sociais, eventuais conflitos de interesse e, até mesmo uma certa disposição para gostar e compartilhar coisas mórbidas são ingredientes deste perverso atentado à privacidade, uma exposição intolerável num momento de extrema vulnerabilidade.

A Bioética da beira do leito pode cooperar na capilarização da consciência sobre o sigilo entre os profissionais das diversas categorias que trabalham em hospitais, objetivando evitar que indiscrições sobre os pacientes escapem pelos dedos (que clicam).

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