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1451- Non nocere imortal (Parte 2)

A contribuição do folclore por meio dos contos maravilhosos inclui a conscientização da instabilidade que associa espera/des-espera, medo e segurança e do fato e do potencial de estabilidade derivado de processos internos, com otimismo esquiva-se da intenção moralista das fábulas e da personalidade ideal e do pessimismo dos mitos, bem como que não duvidar não é exatamente ter certeza. A aparição do gênio indica a possibilidade de as próprias mãos promoverem a atenção da esperança. A bola de cristal faz perceber o quanto a ambição anseia pelo desejo realizado.

O pensar mágico do cotidiano despertou curiosidades ao longo da história da humanidade que ajudaram a desenvolver a ciência. A invisível atração do ímã permaneceu “mágica” usada por magos em espetáculos motivou William Gilbert (1544-1603) constatar que a Terra é magnética, razão para a agulha da bússola apontar sempre para o norte. René Descartes (1596-1650), o Pai da filosofia moderna, “corrigiu” William Harvey (1578-1657), substituiu o fantasioso poder vital inato do sangue como fonte energética da contração do ventrículo esquerdo por um ritualístico fogo não luminoso que atuante sobre o sangue proveniente dos frios pulmões era imediatamente vaporizado para a aorta. Em suma, a imagi(ca)nação é artifício utilizado pelo Homo sapiens para construir explicações sobre a essência das existências tendo na composição da matéria-prima analogias com fenômenos visíveis.

Uma expressão da “contaminação” do pensamento por análises comparativas motivadas pelo mundo real do entrono foi Harvey, numa época onde a demarcação entre filosofia, política e religião era obscura, ter em 1628 escrito sobre a soberania do coração sobre o sangue e em 1649 mudado para o primado do sangue, analogias, primeiro com a monarquia absolutista e depois com o “dirigente servidor do povo” da efêmera República instalada na Inglaterra após a vitória de Oliver Cromwell (1599-1658), cujo exército contou com a bravura do soldado Thomas Sydenham (1624-1689) que impressionado com o sofrimento da guerra motivou-se a se dedicar à medicina e tornar-se  o “Hipócrates inglês”. Testemunhas de um número expressivo de mortes, Cromwell antes de ser tornar um imortal da história inglesa, morreu não se sabe se envenenado ou não e “novamente” dois anos após, exumado e  enforcado, enquanto que Sydenham teve a argúcia de perceber  e afirmar que a maior parte daqueles que supostamente morreram de gota, morreram do remédio e não da doença.

O Penso logo existo ou Penso, logo sou de Descartes alinha-se ao método – cartesiano em sua homenagem- de fazer a dúvida permanente como crítica da concepção de verdade absoluta, numa ligação entre filosofia moderna e compreensão do mundo. Colocar as coisas em prova permanente faz entender o valor de pensar duplo, tese, antítese, e o efeito antidoto da simplicidade contra simulações, artimanhas e segundas intenções, agentes de  falsidades. Uma coisa é, ao mesmo tempo, ela e a reflexividade que se faz sobre ela, passível de dúvidas especialmente sobre teorizações preconcebidas. O aroma e o espinho são um duplo de uma rosa que murcha e deixa de ser com simplicidade, sem falsidade, como foi  florescer e não se importar se seria ou não apreciada.

Vista-se tudo isto com um jaleco e terá à frente um ser humano  que é, ao mesmo tempo sensível, curioso, pensador, prático e insubmisso à natureza de muitas coisas, atende por médico, associa bem a útil e mal ao que impede o bem, sabe que a essência do mal na saúde é capaz de perseverar com força progressiva e que dois movimentos contrários costumam desencadear mudanças até que termine a contraposição. Numa atuação nada bola de cristal, gênio da lâmpada ou personagem de contos maravilhosos, o médico aproveita os significados deles decorrentes para honrar a tradição da profissão perante o paciente e respeitar a contemporaneidade da mais possível aproximação da vontade do paciente de restabelecer-se/controlar a saúde com a sua compreensão do que é e do que poderá vir a ser.

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