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52-Você já tomou o seu remédio hoje?

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Há muito se sabe que não basta o paciente receber uma prescrição de medicamentos. É necessário que haja  um suporte para que eles sejam tomados, a começar pela posse dos mesmos. Programas governamentais no Brasil fornecem fármacos, garantindo a disponibilidade, mas, não necessariamente, a ingestão pelo paciente.

São seis os fatores de não aderência ao uso de medicamentos: a)o tipo de doença; b) as reações adversas; c) o tempo de uso- há uma linha de corte aos 6 meses; d) a complexidade da tomada, incluindo o número de medicamentos; e) a gravidade clínica; f) o custo do medicamento.

O habitual entre nós é que a “cobrança” ao paciente  capaz sobre a correta obediência à prescrição medicamentosa ambulatorial seja feita em consultas de retorno. Admite-se que ele irá assumir corretamente o cumprimento da “lição de casa”. A preocupação com a não aderência é materializada no ato da prescrição e da dispensação por meio de esclarecimentos sobre o uso de acordo com o estado da arte. Depois, é por conta do próprio paciente, que deve se reportar antecipadamente, caso haja alguma adversidade.

Há uma linha de pensamento, contudo, de cunho mais paternalista. Ela entende que o paciente deve ser apoiado de alguma maneira para manter o máximo nível de aderência à prescrição medicamentosa. Gestores que sabem o quanto a não aderência a fármacos encarece o atendimento consequente à evolução da morbidade com maior número  de hospitalizações e encaminhamentos às Unidades de Emergência e Indústrias farmacêuticas que focalizam a demanda procuram formas modernas de promover a aderência. Medicamento bom é aquele que está no organismo do paciente cumprindo a finalidade beneficente.

Mensagem de texto como lembrete é o método que parece entusiasmar aqueles que são a favor deste programa de apoio à distância ao uso de medicamentos. Pressupõe a posse de um receptor eletrônico como um smartphone com aplicativo bem amigável.

Fica a pergunta: Até que ponto a referida prática teria um cunho coercitivo sobre o paciente? Além do lucro comercial relacionado ao número efetivo de comprimidos consumidos, haveria real benefício para a saúde do paciente?

Quaisquer respostas têm vieses. Pode-se argumentar que a aderência ao programa de lembrete é voluntária, subentendendo que o paciente deseja de fato  receber o alarme para a perfeita continuidade da tomada dos medicamentos e que, a qualquer momento, ele pode cancelar o serviço de apoio. É de se presumir que subgrupos distintos de pacientes formar-se-ão seguindo a pluralidade da natureza humana.

A visão de coerção implicaria na ultrapassagem de limites do direito do paciente de negação à continuidade do tratamento por razões que só a ele diz respeito. Algo cruel como invasão da intimidade e argumentos de não mais receber medicamentos de programas governamentais ou de continuar sendo consultado pelo médico, que, com certeza, não teria nenhuma razão de proposição nos dias atuais.

Quanto à ideia que mais medicamentos ingeridos representa mais saúde, depende do valor que cada um dá  aos fármacos corretamente prescritos, sobre o quanto eles  influem na qualidade e na duração da vida do paciente. Muito embora o conceito que a Indústria farmacêutica estaria motivada pelo aspecto comercial não possa ser negado, parece válido entender que o efeito para o paciente que deseja  a ajuda é positivo e coerente com a intenção de utilidade e de eficácia do médico prescritor ante a circunstância clínica e com o trabalho de dispensação e de orientação exercido por farmacêutico e enfermeiro em muitos Servições ambulatoriais.

Cabe a cada médico refletir sobre o seu papel ético em eventuais programas à distância de aderência ao uso de fármacos, sobre os seus limites de atuação como médico prescritor e sobre o seu entendimento da responsabilidade do paciente capaz para cumprir as recomendações.

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COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Max, interessante como a sociedade, apesar do debate sobre difer(a)nças, alteridade, pluralidade, caminha para comportamentos cada vez mais controladores. Essa tentativa não é diferente daquela de pais que presenteiam os filhos com celular para ter controle de seus movimentos – já existem até programas para aperfeiçoar essa relação. O interessante é que a cada processo de controle, a reação dos jovens é a de criarem modos para burlar o controle. Parece que a sociedade está cada vez menos disposta a refletir, discutir e crescer coletivamente.

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