Ouvi de um colega que quem “faz” Bioética precisa ter coragem. Fiquei matutando, senti veracidade na observação. Não será mesmo que uma Comissão de Bioética é reunião multiprofissional de corajosos da Saúde? Estes voluntários da Moral têm a determinação necessária.
É claro. Resoluções requerem coragem e quem “faz” Bioética envolve-se com conflitos de tomada de decisão. E demandam coragem para ir ao encalço da mais apropriada atitude frente a percepções distintas de mesmo acontecimento ou de mesma circunstância.
Nas situações onde se pretende harmonizar a vontade de aplicar o benefício da Medicina que está na cabeça do médico com o não desejo do paciente, a valorização da empatia reduz indiferenças e agressões e evita a coerção.
É fato. O trabalho da Bioética da Beira do leito incorpora o paradoxo da coragem, ou seja, devemos nos comprometer, mas podemos estar errados. Segundo Rollo May (1909-1994), a dialética entre convicção e dúvida é característica elevada da coragem e exemplifica que não se pode falar em coragem do fanático porque ele bloqueia novas verdades. Médico fanático por Medicina, somente no sentido figurado, entusiasmo na medida certa.
A coragem que importa à Bioética da Beira do leito não é a física. É a moral. Aquela que acolhe a doença como questão inserida num ser humano com vida e cuidada por outro ser que também é humano no exercício das responsabilidades profissionais pela vida.
A coragem moral nutre o permitir-se pensar independente e questionador sobre o significado de ser médico e de ser paciente nas contingências infinitas dos encontros e reencontros. A coragem que dá asas ao desenvolvimento de sinceros processos criativos em prol da máxima conformidade interpessoal do referido encontro, evidentemente, respeitando os limites da Ética e das leis.
Pegando carona novamente com Rollo May, postura corajosa frente a limitações obstrutivas energiza a busca de alternativas resolutivas.
A forma de reação perante o contradito precisa ser adaptativa, imaginativa, portanto, sob constante reformatação. A Bioética da Beira do leito não dispõe de uma bula de tomada de decisão para oferecer, razão pela qual recomenda modelações individualizadas para reordenar o que foi “desarrumado” dos muitos idealizados, como por exemplo, médico recomenda – paciente consente ou paciente solicita- médico aceita.
Uma forma de preparar o estudante de Medicina para a coragem criativa e, para a germinação da correlata curiosidade, é fazê-lo envolver-se com questões históricas, polêmicas ou até sem respostas, que é considerado um método utilizado por Sócrates (….). Por exemplo:
http://news.medicine.duke.edu/wp-content/uploads/2013/05/The-Art-of-Pimping.pdf
1. Enigma da história: Quem realizou a primeira punção lombar?
2. Questão teleológica: Porque há órgãos duplos como rins e pulmões?
3. Questão muito ampla cuja discussão atinge um ponto ainda não esgotado, mas que fica difícil prosseguir: Qual o papel da prostaglandina na homeostase?
4. Nomeação de epônimo: Quem descreveu o sinal da movimentação da úvula consequente à insuficiência da valva aórtica?
Fica a questão: O médico brasileiro que trabalha na beira do leito possui a coragem moral? A minha resposta é afirmativa. E a Bioética da Beira do leito pode contribuir para iluminá-la a cada tomada de decisão em meio a crises causadas pelos infinitos acasos de combinações do pentágono da atenção à Saúde.