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138-Comportamento de manada

boiComportamento de manada refere-se a grupo de indivíduos que agem em conjunto, aparentemente sem nenhum planejamento prévio. Na Medicina, o jovem durante a sua formação como estudante e como Residente vai, paulatinamente, enxergando os caminhos que mais lhe tocam, e assim, ganhando autonomia.

Por vários anos, ele terá um dia-a-dia de influências para selecionar e aderir a “panelas”. Ele é sensível  a argumentos como muitos assim fazem e fica sob impacto de condutas uniformizadoras de conduta. Evidentemente, não cabe plenamente a expressão sem planejamento prévio, porém o aprendizado funciona a partir de uma figura que comporta analogia com o comportamento de manada. A grande lição é o valor profissional de pertencer a bom Serviço, onde  o comportamento de manada determina, habitualmente, percurso por caminhos de excelência.

Passando visita à beira do leito, quando o Residente de Cardiologia apressava-se a revelar o resultado do ecocardiograma do paciente, logo após ter contado a anamnese, valorizando-o  para assim bem definir o caso, eu lhe interrompia e perguntava: ” – Você pediu aquele exame… chamado exame físico?”.

Pois é, como fiel súdito da Clínica Soberana e jurado a Hipócrates, eu nunca tolerei ouvir informações sobre exame complementar antes do raciocínio clínico fundamentado na anamnese e no exame físico, especialmente, quando a discussão era de um caso de valvopatia, ou seja, com rica e pró-diagnóstica propedêutica física.

Eu nunca aceitei que o aprendizado de um cardiologista dispensasse a expertise da inspeção, da palpação e da ausculta do paciente. De certa forma, exigindo um aqui se faz assim, eu procedia a uma analogia com o comportamento de manada. Acima falei em panela, aqui poderia dizer Escola.

Recordo-me que nos primórdios da ecocardiografia, entendíamos que era melhor errar com base na ausculta cardíaca – respaldado pela tradição-, do que acertar com base na inovação do exame de imagem – que era modesta em relação a hoje. Uma postura acadêmica, certamente uma cautela, que aos poucos foi se direcionando para a integração, até porque as revisões de ausculta determinadas por dissociações iniciais com a ecocardiografia mostraram-se  pedagógicas, em ambas as mãos de direção. Conscientizei-me que não devia pensar em substituição ou não de ferramentas, mas na constituição de uma caixa delas. Estetoscópio e transdutor não são excludentes entre si.

Passadas algumas décadas, os exames de imagem tornaram-se altamente bem-vindos, de um modo geral, e preenchem vários pontos cegos da propedêutica física. Porém, o aprendizado do ser médico não pode aceitar uma desvalorização do exame físico, uma depreciação do ritual clínico tradicional, a ideia que não há porque perder tempo com o uso dos órgãos dos sentidos se a imagem valerá por “mil sinais físicos”.

Assim sendo, repudio a adesão a um fluxo pedagógico profunda e essencialmente tecnológico, pois sabe-se que a figura da “auto-manada” existe, pela qual os modelos de decisão do passado servem de guias para o futuro, algo que pode acontecer de modo não tão consciente pelo médico. De coadjuvante, passa-se a líder, reproduzindo o costume que vivenciou.

Não é possível ignorar que aprender Medicina com ênfase na tecnologia pode determinar deficiências do raciocínio clínico quando ela estiver ausente – nos muitos Brasis- e, assim, necessitar-se de uma sustentação tão-somente clínica. De certa maneira, a “formação avançada” igualar-se-ia  à má formação profissional  dos que não tiveram oportunidade de bem frequentar hospitais de real ensino e bem conviver com professores, tutores e preceptores qualificados.

É fato contudo, que o mundo real  convive cada vez mais com forte direcionamento para a prática assistencial pragmática, rapidamente definidora, com mudanças no conceito hierárquico de complementaridade. Médicos e pacientes apreciam-no porque, os primeiros  em vez de mentalizar,  “vêem” o diagnóstico, assim acrescendo uma noção de precisão e aqueles porque há uma gravação infinitamente reprodutível e um laudo por escrito avalistas.  Uma imagem de uma vesícula cheia de cálculos no lugar de uma imaginação. Ver para crer, tomadas de decisão que são sustentadas em verdades, sem dúvida, resolutivas, inclusive, mas que não devem ser analisadas isoladas da expressão clínica. Não é porque um nódulo pulmonar só pode ser identificado em exame de imagem que a semiologia do tórax é desnecessária.

Novos tempos, novas utilidades, novos prognósticos, novas distinções de sustentação em alta tecnologia de especialidades médicas, novos rituais, novas formas de provocação do comportamento de manada. A frequência não desprezível com que inovações alvissareiras fracassam após pouco tempo de fase de mercado traz um alerta sobre o que chamo de Síndrome do mais recente artigo publicado, onde o entusiasmo que se converte num comportamento de manada, resulta numa aventura, que – o mais triste da história-  representou um desvio da conduta tradicional que “sempre” foi bem sucedida.

Em suma, mesmo temendo estar exagerado, eu classifico esta tendência moderna de privilegiar de pronto o que poderia produzir a máxima eficácia – porque nos dizem que todos fazem ou porque os bons hospitais organizam em protocolos de atendimento-, como análoga ao chamado efeito ou comportamento de manada. No mínimo, corre-se o risco de agir pelo conjunto sem nenhuma análise crítica, não sabendo, exatamente, o significado do caminho. Em outras palavras, o risco de exposição à imprudência de deixar o ambiente dirigir condutas, refletindo uma atitude de abrir mão de pensar por si.

Médicos precisam privilegiar a relação médico-paciente direta (não é pleonasmo), manter um grau ético de independência dos muitos efetores da Medicina (nem tudo é bem-intencionado), evitar na medida do possível que o ambiente dirija nossas escolhas (individualidades existem), prover-se do sentido de segurança sobre o que faz (aprofundando o conhecimento e cumprindo curvas de aprendizado), assumindo responsabilidade e conservar o poder de tomar decisões – evidentemente equilibradas e respeitosas ao paciente-, rechaçando uma função de tão-somente aplicador de decisões heterônomas, qual um comportamento de manada.

Colega, lembre-se que o histórico de muitas inovações e sucessos contém “pensamento transgressor” que desestimulou manter-se “naquela manada” e que, após devidamente transformado em pesquisa e resultado validado formou “nova manada”. A seguir, nova ideia… etc.., etc… Assim caminha a ciência da Medicina energizada pela coragem da criatividade.

 

 

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COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Prezado colega Max Grimberg, artigo brilhante reporto ao livro recém publicado na Academia Nacional de Medicina, pelo Professor José Manoel Jansen – titular de pneumologia da UERJ- O pensar diagnóstico- medicina baseada em padrões”.
    Teixeira.

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