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47-Bioética e profissionalismo em Medicina

cartoon concerned doctor illustrationO profissionalismo na  Medicina  é questão de honra de quem livremente decidiu  ser médico, esforçou-se para se graduar numa Faculdade de Medicina  e,  cotidianamente,  vê-se parte essencial de encontros com paciente/familiar, instituição de saúde e sistema de saúde.

Este encontro, que demanda a expertise técnico-científica, associa-se à emoção também.  Isto porque ele traz, caso a caso, a percepção prazerosa  da realização  das potencialidades sonhadas pré-vestibular.  Nem sempre acontece. Queixas de corredor não faltam.

Idealmente, o encontro contém a dedicação e o compromisso do médico. É capital para lhe dar a intensidade que se deseja. Ademais, a idealidade inclui a confiança na sua probidade moral pelo paciente, num cenário de fé na profissão médica pela sociedade.  Não se pode descuidar da expectativa de que o atendimento represente um processo de inter-relação médico-paciente em que um não pode prescindir do outro.

A anamnese que muitos jovens hoje em dia lhe imprimem ligeireza no afã do encontro com objetividades “mais resolutivas” é clássico modelo da identificação entre dois seres humanos, por meio da comunicação verbal- e também não verbal-, para o balizamento da circunstância necessitada do profissionalismo.

O tipo de queixa atual ambientada no histórico mórbido do paciente desperta pensamentos iniciais fundamentais para a elaboração de “rascunhos” de objetividades, incluindo a síndrome,  a etiopatogenia, a terapêutica, o prognóstico, o  grau de gravidade e a premência da resolução. Durante o processo da anamnese o “radar” diagnóstico e terapêutico já é acionado com a  energia da individualização, ou seja, um ser humano “encontrando” outro ser humano.

Este encontro, classicamente sistematizado como inicial do atendimento, de natureza essencialmente verbal, permanece ao longo do atendimento, pois à medida que objetividades vão sendo identificadas, novos esclarecimentos  verbais ou repassagem pelos já feitos pelo paciente são necessários para possibilitar o bom trânsito por eventuais dissociações/dúvidas com os exames físico e/ou complementares.

O bom profissionalismo começa na boa anamnese. É aprendizado do primeiro dia da frequência à beira do leito do estudante de Medicina há séculos. Não importa a língua  que esteja sendo praticada, pois é universal, ela pode se expressar com a fluidez que mentalizamos ideal em que o paciente comporta-se como informante cronologicamente  “nota dez”, com uma desorganização que nos remete a um labirinto, ou com uma manifestação em colheradas que exige um “saca-rolhas”  por parte do médico.  A manutenção  do interesse pelo caso tem alta influência da disponibilidade de tempo.

Caso o tempo fosse só do médico, a sua disponibilização ao paciente seria indicador fiel do fundamento do profissionalismo, que é a colocação dos interesses do paciente acima de outras considerações pessoais do médico, obviamente, numa clima de integridade e de competência.

Mas será que o médico é senhor absoluto do tempo para a realização da anamnese abertura do atendimento? Não parece haver uma resposta única, mesmo profissional pode se comportar de modo distinto em diferentes locais de trabalho. A cabeça pode ser liberal mas os braços podem ser CLT. Há necessidade de cumprir uma jornada de trabalho organizada de modo heterônimo, há uma sequência de agendamentos realizados segundo cálculos, onde a autonomia do médico sofre impactos da instituição de saúde e do sistema de saúde. Cada situação passa a ser alvo de ajustes, verdadeiros malabarismos  sobre os ponteiros do relógio na dependência do profissionalismo do médico. O paciente sem queixas pode “doar” tempo para o com muitas queixas, por exemplo.  É esforço do médico para a manutenção do interesse no paciente acima dos próprios – e dos eventualmente impostos-, o que diríamos ser acomodação ética ao relógio do ponto. Instrumento este, que  não consta nos princípios fundamentais do Código de Ética Médica, mas que  é poderoso pois, ao mesmo tempo em que determina  a entrada  que não deve ser desrespeitada e que inibe a saída prematura, não gratifica os acréscimos de minutos –não poucos- que o médico dedica ao paciente consciente do seu profissionalismo.

Utilizamos aqui a anamnese como poderíamos ter usado outro método para sustentar    as considerações,  porque ela simboliza o olho no olho, o ouvir-se falar anti-prolixidade e o ouvir-se ouvir anti-“cabeça em outro lugar”.  Ademais, ela é a primeira impressão para a percepção do grau de acolhimento, a primeira janela para o interior do ser humano –nem sempre com vidros transparentes, é verdade-  e o ponto inicial da crença que o sigilo será respeitado.

Há várias situações envolvendo a comunicação no âmbito da anamnese ou não, onde a pertinência e a intensidade do encontro médico-paciente são influenciadas por opções éticas de momento. Relaciono quatro delas que servem para despertar reflexões sobre a infinidade de encontros com respeito à hierarquia da colocação do interesse do paciente acima daquele do médico.

1.       O médico é acordado na madrugada seguinte a um dia exaustivo,  chamado ao hospital pela ocorrência de uma urgência/emergência.  É situação em que o médico não costuma pensar no futuro da própria saúde, privilegiando o presente da sua responsabilidade profissional e como ele enxerga o plantão de cobertura, a relação com o paciente e a precedência de ato por ele recém-praticado.

2.       O médico entende que não há uma indicação formal para determinado medicamento, mas cede à solicitação de uso pelo paciente, sem detalhar sobre a ausência de critério e possibilidade de danos.

3.       O médico  dispende tempo precioso para ajudar o paciente a mudar hábitos alimentares ou deixar o uso do tabaco sem contrapartida financeira ou de apoio institucional.

4.       O médico é solicitado a ser assistente-técnico de advogado a fim de sustentar argumentos favoráveis ao cliente do mesmo com base no constante dos autos da ação.

O profissionalismo do médico é constantemente testada pelas peculiaridades da  sua personalidade.  É interessante que cada jovem médico pratique uma cotidiana anamnese da sua consciência em busca de queixas principais e secundárias e de formas de atenção a suas necessidades  extra-profissionais  sem prejuízo das profissionais.  É o desejável!

 

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