Algemas nos levam sabe lá para onde. Bússolas orientam rotas pretendidas. Destinos terapêuticos almejados, por mais freqüente que sejam atingidos, convivem com percentuais de insucessos. É desejável, pois, que haja uma categorização da eficiência presumível de determinado método terapêutico, com fundamentação científica para cada possível uso. É a chamada dimensão de efeito da aplicação que é classificável em 4 categorias (Quadro).
CATEGORIAS DE CLASSE
Classe I- Consenso de que o procedimento / tratamento é útil e eficaz.
Classe IIa- Ausência de consenso com tendência à utilidade e à eficácia.
Classe IIb- Ausência de consenso com tendência à inutilidade e à ineficácia.
Classe III- Consenso de que o procedimento/tratamento não é útil e até pode ser prejudicial.
As classes não qualificam o método em si, elas indicam a conveniência do uso para a circunstância. Portanto, mesmo método pode estar diferentemente classificado na doença A e na doença B. Suponhamo-nos tendo de ir à padaria da esquina. As pernas são o método útil e eficaz, andar a pé é classe I e ir pedalando a bicicleta é classe IIa. Pegar o carro é classe IIb, pois tem o potencial de problemas de estacionamento para atingir o objetivo; mas se estiver chovendo… Já pretender ir de ônibus é classe III.
A convenção para a tetrapartição de utilidade e de eficácia é relativamente recente. A motivação vem da Medicina Baseada em Evidências. Ganhou status de autoridade avalizada por Sociedades de especialidade com credibilidade científica. Uma varredura de resultados universalmente compartilhados na literatura é sistematizada e as análises organizadas por uma reunião de saber e sabedoria. Os membros desta comissão doam o seu tempo para que a comunidade médica em geral economize o seu pela dispensa de fazer uma revisão crítica detalhada do conhecimento fragmentado em muitas publicações, cada dia mais acelerado.
Pensar em classes de recomendação terapêutica é costume adotado pelas novas gerações. Uma vantagem é que usufrui de um filtro crítico com poros mais uniformes, uma desvantagem é o reducionismo na fundamentação fisiopatológica que enfraquece a capacitação para ajustes impostos pelas individualidades do paciente.
Como a comissão de especialistas não funciona como uma rede social, as idas-e-vindas de posicionamentos acontecem em recinto restrito. Não há acesso da comunidade prescritora da beira do leito ao “risque-rabisque” das discussões. O documento final é, pois, heterônomo, única mão de direção que demanda confiança tácita e suscita questões de obediência ético-legal.
Uma característica da “autorização ao uso” centrada na Sociedade de especialidade é uma contenção assistencial de novidades até a próxima reunião dos especialistas. Pode-se ver um benefício, a de restringir a perigosa síndrome do último artigo publicado – “agora sim vou tratar bem”, que pode oscilar a cada publicação sobre o tema. É um verdadeiro carrossel, cada nova publicação pode nos dar a sensação de estarmos à frente, mas haverá quem nos veja atrás. “Terceirizar” a análise da validade para a comissão de especialistas pode dar um ponto consensual de referência.
É interessante agrupar as classes em duas categorias extremas e duas intermediárias. A junção mental da I com IIa e da IIb com III facilita transitar pela relação conhecimento da Medicina-peculiaridades do paciente- expertise do médico e pelas divergências de conceituadas Sociedades de especialidade, como americana, europeia e brasileira. Fica estranho quando mesma recomendação ganha classe IIa e IIb em avaliações sediadas em quilômetros de distância contemplando mesmo cenário de literatura em ambientes distintos.
Há tendência a eliminar o classificável como III porque ele não deve ser cogitado. Parece-nos racional, simplifica sem reducionismo. A classe III pode ter até interesse acadêmico, mas se faz desnecessária para o cumprimento das boas práticas.
As classes trazem dinamismo às interpretações de prudência e de zelo na beira do leito. Não recomendar um método classe I ou IIa para a situação clínica em questão seria uma negligência- desde que não haja impedimentos externos ao médico, como um não consentimento do paciente. Recomendar um método classe III seria uma imprudência. O uso da classe IIb traz mais complexidade; ele pode se justificar pela prudência na não recomendação de classe I ou IIa.
A Bioética da Beira do leito coleciona bússolas técnico-científicas e descarta algemas de atitudes.