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HM19- O passado de fontes não médicas da Medicina (Parte I)

Acostumamo-nos a associar perspectivas de progresso da Medicina a médicos e cientistas. Uma atividade reformuladora exigente de evidências científicas. Pois, observações do cotidiano permanecem em questão enquanto pesquisas bem planejadas e eticamente realizadas não dão respostas confiáveis a respeito de benefícios e de malefícios. A inexistência da validação levanta hipóteses da prática de imprudência em tomadas de decisão.

É notório que a formatação do raciocínio clínico na beira do leito está apoiada atualmente numa plataforma globalizada da Medicina com credibilidade construída com fundamentos da Medicina Baseada em Evidências e da Medicina Translacional e, claro, fortemente moldada pelas Diretrizes expedidas por Sociedades de especialidade.

É assim que acontece há algumas décadas. O que é classificado como útil e eficaz compõe matéria prima qualificada pela eticidade das boas práticas na beira do leito.

Quem recém embarca no comboio da Medicina com destino ao sucesso costuma achar que os veículos sempre foram desta maneira. Como não foram, vale recuar no tempo e repercutir palavras do século XIX. Elas dão nitidez à paulatina transformação ocorrida a respeito da incorporação de inovações em Medicina. O texto abaixo foi escrito em 1883 por Oliver Wendell Holmes (1809-1894), o médico da Harvard Medical School que atingiu o posto de Reitor, identificou a causa da Febre puerperal e introduziu o microscópio na educação médica. A fonte de consulta foi o livro Medicine and Man (Signet Science Library Books, 1958), escrito por Lord Peter Ritchie Calder (1906-1982), especialista em temas científicos que foi representante do Reino Unido na UNESCO.

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Oliver Wendell Holmes (1809-1892) Harvard Medical School

“… A Medicina apropria-se de qualquer coisa de qualquer fonte desde que ela possa ter mínimo uso para quem estiver com alguma moléstia. A Medicina aprendeu de um monge como usar o antimônio, de um jesuíta como curar malária, de um frade como remover um cálculo, de um soldado como tratar a gota, de um marinheiro como evitar o escorbuto, de um carteiro como  entender a trompa de Eustáquio, de uma criada como não contrair varíola e de uma comerciante idosa como capturar inseto causador de coceira. A Medicina tomou emprestada a acupuntura do japonês das selvas e aprendeu a usar a lobélia com o índio americano…”. 

Posso acrescentar que o digital nasceu como remédio num chá que aumentava a diurese elaborado por uma senhora inglesa e que o ácido acetil salicílico foi identificado na casca do salgueiro a partir da concepção  que Deus coloca o remédio ao lado da doença (no caso a Febre dos pântanos), concebida por um reverendo inglês.

Holmes  tinha consciência que a Medicina de sua época não era ciência, mas uma colcha de retalhos de informações, muitas delas, como visto acima, não originadas por médicos. O que era porventura usado e seguido da cura era considerado eficaz. Grupo controle é coisa do século XX.

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Antimonio

O que foi estes personagens “leigos” homenageados  por Holmes fizeram para entrar na História da Medicina?  Vamos começar com o monge beneditino cujo nome Valentine é motivo de dúvidas.

O monge percebeu, na transição do século XVI para o XVII, que porcos engordavam quando o alimento continha o metaloide Stibium. Quando alguns colegas de monastério emagreceram por causa de jejum, o monge em questão deu-lhes Stibium. Todos morreram. Embora de número atômico 51, não foi boa ideia…  Há uma versão que, por isso, a substância ficou conhecida como anti-monge (antimônio).

Mais tarde, surgiu uma formulação do antimônio pretensamente menos agressiva e que ficou conhecida como tártaro emético (Antimonium Tartaricum). Registra a história que muitos pacientes morreram do uso. O mais famoso foi o filho único de Jean-Baptiste Poquelin, o Molière (1622-1673). O dramaturgo francês convenceu-se da iatrogenia venenosa e escreveu algumas peças de teatro satirizando o saber médico.

Como contraponto, registra-se que a administração de antimônio curou Luis XIV (1638-1715), o Rei-Sol, de Febre Tifoide. Por sua vez, Napoleão Bonaparte (1769-1821), já exilado, desconfiou que estava sendo envenenado pela terapêutica com antimônio para o seu mal gástrico e, com a autoridade ainda vigente, ordenou ao seu médico que ingerisse o remédio. E não é que o médico tomou?

Napoleão convenceu-se da sua suspeita quando viu o doutor gravemente enfermo, logo a seguir. Napoleão mudou de médico e o recém-chegado, evidentemente para o bem de todos, contra-indicou o uso do antimônio que era um dos poucos remédios consagrados na época.

Prossegue parte II em próximo post.

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