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1224- Trans e pós-humanismo na beira do leito. Uma leitura com o apoio da Bioética (Parte 25)

Exercito-me imaginando um médico em nível avançado de transumanismo, valorizado pela sociedade como aqueles que no século XIX retornavam de Paris para suas cidades portando no bolso o estetoscópio recém inventado por René-Théophile-Hyacinthe Laennec (1781-1826)- todos queriam se consultar com ele e usufruir da novidade, agora sim uma melhor medicina.

 

 

 

 

 

 

Prevejo um risco preocupante: a disponibilidade de um conhecimento atualizadíssimo sobre a doença/doente com um núcleo atitudinal de resposta tão somente no automático por incapacidade de processar circunstâncias de incertezas exigentes de prioridades e empatia, vale dizer, dificuldades para adaptações e revisões recomendadas pela prudência e ausência de flexibilidades para praticar coragem moral. Mas, sempre tem um mas, parece que programadores da inteligência artificial já estão lidando com este óbice à humanização conforme pretendemos hoje e, acresça-se, os pacientes serão também diferentes nas exigências pessoais.

Na apreciação de evolução profissional com forte influência tecnológica e preservação antropocêntrica, que hoje em dia pode ser representado pela atividade plugada à internet, a competência profissional no pensamento computacional (próximo ao que desenvolve programas de computador e robótica) ajuda a lidar com a tecnologia sem necessidade de ficar lutando com a ciência computacional. Trata-se do desenvolvimento de modo de pensar essencial para não ser dominado pela tecnologia, a ser treinado desde a graduação, e que se fundamenta num quinteto (expansível):

a) decomposição (habilidade de desdobrar complexidades em partes menores);
b) abstração;
c) reconhecimento de padrão;
d) desenho algorítmico; 
e) metacognição (capacidade de supervisionar e auto-regular os processos cognitivos).

Bioamigo, a consideração sobre a competência do pensamento computacional traz duas vertentes para a apreciação da tecnologia na beira do leito:

a) como instrumento auxiliar;
b) como substituto do profissional da saúde.

Numa ideia de “flecha trans já disparada” em direção ao pós-humano teremos a substituição, ou seja, o profissional da saúde afastando-se de um autêntico Homo sapiens. Mas, por outro lado, bioamigo, neste tema que convenhamos, faz do pensamento do militante da Bioética um verdadeiro ioiô, o profissional da saúde de hoje já não lida “naturalmente” com o quinteto acima referido do pensamento computacional? Não há uma “programação da beira do leito”, caso a caso, que inclui caminhar por algoritmos com abstrações sobre padrões de comportamento, motivado a fazer desdobramentos das complexidades numa intensa atividade cognitiva?

Bioamigo, parece óbvio, mas é preciso bem conscientizar, que na visão de transumanismo por um passo-a-passo de aperfeiçoamento e de superação, a tecnologia e o pensamento computacional são auxiliares que conferem maior abrangência e profundidade à atenção às necessidades de saúde do paciente. Entendo que a Bioética possibilita um bom nível de habilidade crítica acerca do pensamento humano que desenvolve o pensamento computacional, que, por sua vez, incrementa o pensamento humano, inclusive na absorção do chamado aprendizado de máquina.

Manter-se auto plugado na altíssima tecnologia que é a própria inteligência humana, considerá-la em primeiro plano, possibilita preservar a indispensável contribuição do conceito de clínica soberana no ecossistema da beira do leito. Evidentemente, numa concepção ajustada ao século XXI, mas, consciente que o valor clínico da queixa do paciente bem como da identificação de um sinal ao exame físico não permitem abrir mão do valor da conexão órgãos dos sentidos do médico – condição clínica do paciente, um fundamento da medicina fruto da inteligência humana.

Excessos contemporâneos – e futuros- na hierarquização da tecnologia no ecossistema da beira do leito renegariam a inteligência imortal de Hipócrates que dissociou a medicina de uma atividade não humana então supervalorizada. Neste contexto, Stephen William Hawking (1942-2018) alertou para alta possibilidade de um total domínio da inteligência humana pela inteligência artificial, o que na beira do leito pode significar a implosão da construção da medicina nestes 26 séculos desde Hipócrates.

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