Bioamigo, rir/sorrir articula-se a certas reações humanas inatas e depende de um sistema multifatorial de controle por funções orgânicas – há, inclusive o riso patológico, o riso incontrolado do personagem Coringa e, ademais, há o riso contagiante do bebê.
Rir/sorrir faz parte de uma linguagem universal das emoções básicas, que, em geral, é muito bem aceita. Ademais, é positivo como método terapêutico em prol do bem-estar e se encaixa na expressão “rir é o melhor remédio”. Alinha-se à capacidade de conviver consigo, mover-se entre o passado e o futuro sem deixar de viver o presente, especialmente em situações que não podem ser mudadas. Uma frase bem humorada pode ser a maneira como alguém permite-se expressar um forte sentimento que de outra forma ou lhe violentaria ou ou soaria politicamente incorreto – um subterfúgio para ajuste social.
Na beira do leito, o humor deve ser levado a sério. É um momento ao longo de um continuum de emoções que pode trazer muitas vantagens para a conexão do profissional da saúde com o paciente. Por exemplo, ele contribui perante o medo, a ansiedade, a preocupação para criar um clima favorável para uma tomada de decisão compartilhada. Como dito por Grouxo (Julius Henry) Marx (1890-1977): Um palhaço é como aspirina, só que funciona duas vezes mais rápido. A desejável serenidade com suas zonas cinzentas não exclui o humor.
Evidentemente, há a ocasião em que a sensibilidade interpreta como favorável para a completa abertura ao humor, há a ocasião para uma abertura apenas parcial e há a ocasião para a total inconveniência. Cada profissional da saúde deve construir sua avaliação sobre o uso do humor na beira do leito e, também, sobre como lidar com eventuais dificuldades subsequentes por ele provocadas. Cito uma: Não se preocupe, seu caso é muito simples, posso operar com apenas uma mão. No dia seguinte, perante grave adversidade pós-operatória: Certamente o doutor fez o que disse, operou com apenas uma mão, foi negligente.
Pois é bioamigo, parece claro que o humor é desejável na beira do leito, mas há cerca de meio século, o riso/sorriso, como indício de bom humor ou de satisfação, definitivamente, não tinha boa fama na beira do leito, não era bem-vindo. Lembro-me bem, como eram compenetradas as aulas práticas de Propedêutica física, como se uma tirada bloqueasse a retenção do ensinamento, todos nós ali em ordem unida seguindo o compenetrado mestre (Mario Giorgio Marrano, 1920-2013), aliás, inesquecível pelo conhecimento e dedicação.
Voltando àqueles idos da década de 60 do século passado, a reputação da verve do carioca, a disposição para observações bem-humoradas, mantinham-se inibidas. Claro, algumas “transgressões” eram inevitáveis entre os estudantes, apesar dos olhares atentos – e reprovadores- da enfermagem de irmãs da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, onde travamos os primeiros contatos com a beira do leito- enfermarias 4 (feminina) e 20 (masculina)- nossas salas de aula para o aprendizado das construções de linguagem da profissão. Registre-se, palavrão era jamais, na beira do leito a autocensura ao mesmo era rigorosa.
A vivência profissional já sem a supervisão me fez ver que não havia uma cara própria pré-moldada para apresentar na beira do leito. Não cabia uma disciplina espartana sobre o rosto, aliás, creio que nunca houve mesmo uma facies de médico. Reaprendi que o humor – uma virtude- não era assim tão inconsistente com a aplicação da tecnociência, percebi que sua desvalorização era preconceituosa.