Vivências humanas guiam-se por ideias e métodos e suas peculiaridades constituem narrativas pessoais. Em função de níveis de apreciação da importância e da gravidade, uma enfermidade agita com o potencial de prejudicar a rotina de um paciente e o grau do impacto modula a disposição de obter ajuda especializada.
É por isso que tanto fatores biológicos e culturais quanto físicos e emocionais participam de respostas a proposições de condutas diagnósticas, terapêuticas e preventivas em ambientes da Saúde. É válido afirmar que a beira do leito – este endereço universal do acolhimento ao vulnerável- testemunha como visões de verdades e de realidades aproximam-se ou afastam-se em função de pragmatismos- níveis de reconhecimento da necessidade de uma decisão apesar das incertezas- na conexão médico-paciente.
Para compreender as dificuldades do paciente em lidar com verdades e realidades – por exemplo, a verdade do prognóstico que recomenda o método beneficente e a realidade da adversidade pela invasão do corpo- basta nos lembramos que são necessários seis anos para obter as facilitações e outros tantos para assegurar competência profissional pelo médico. Uma noção de abismo cabe com frequência.
A Bioética da Beira do leito percepciona que pacientes instados a um curto prazo para se pronunciar costumam facilitar para si próprios chegar a uma decisão. Uma maneira de conseguir se expor, cumprir sua função no momento concorrente do consentimento, conferir poder a um Sim ou Não, é agilizar a resposta de consentimento à recomendação do médico por meio de juízo simplificador das complexidades, por exemplo, selecionando um dos vários aspectos envolvidos. O que foi conscientemente sintetizado para dar um panorama esclarecedor sofre fragmentações personalizadas.
Esta estratégia do paciente envolve vieses de ancoragem das informações recebidas e se torna vantajosa para lidar com as muitas indeterminações e incompreensões para um leigo sobre ciências da saúde. Instabilidades e inseguranças fazem-se presentes no mundo real e acionam propósitos predeterminados sujeitos a adaptações evolutivas. A cronicidade de enfermidades é um fator adaptativo em face à aquisição de experiência real sobre os domínios das ciências da saúde.
O profissional da saúde precisa ter clareza que o mundo real humano e plural determina enorme interrogação sobre a presença dos níveis mínimos de abrangência e de profundidade do qualificador esclarecido cogitados para fundamentar a tomada de decisão respeitosa ao direito à autonomia – o que o eu paciente de fato anseia. O consentimento do paciente não é uma senha de franca liberação, sua manifestação ocorre com frequência sob menos sustentações do que imaginado pelo médico.
Resultam relegados ao segundo plano muitos complementos subestimados justamente pela superestimação de motivos como: desejo por um alívio, preferência por um método, objetivo a longo prazo ou valores pessoais. Em termos práticos, consentimentos sofrem influxos da representatividade de situações do cotidiano, da disponibilidade de opções e de ajustes a circunstâncias. Preenchimentos de lacunas por analogias e imaginações não faltam.
A ideia da participação de um representante preferencial na ordem da tomada de decisão pelo paciente é essencial para pressupor que nem todas as informações passadas pelo médico pretendendo a anuência do paciente compõem a decisão esclarecida.
O alerta faz-se relevante na medida em que as apreciações que deveriam ter sido feitas antes do procedimento passam a acontecer na evolução pós-procedimento e com chance de influenciar negativamente o juízo (bioamigo, quem não ouviu se eu soubesse antes… e que foi dito). Vale a figura de varrer para debaixo do tapete e o calombo decorrente é risco de ulterior tropeço.
A Bioética da Beira do leito entende a necessidade de um treinamento acerca deste comportamento de prioridade de sensibilidade a uma das informações a respeito da chance de se materializar e que deixa de lado predições sobre demais ângulos do emitido pelo médico. Inclui uma apreensão sobre impensáveis tecnicamente, como a recusa de se submeter a uma recomendação nível I e classe A de evidência.
Uma manifestação de que bom que serei internado, gostei que será só tratamento com medicamentos, serão apenas dois dias de internação, o convênio dará cobertura total em detrimento das indeterminações do resto do contexto.
Numa linguagem atenta aos princípios da Bioética, fatores da personalidade do paciente a respeito do emitido pelo médico fazem a diferença sobre o consentimento do paciente e podem exercer maior impacto do que o conjunto interligado que o médico se preocupou em esclarecer sobre beneficência e maleficência na perspectiva tecnocientífica.
Desta maneira, um Sim afirmado como livre e esclarecido pode assemelhar-se a uma ilusão verdadeira. Tal qual vemos o sol nascer no leste e hora após hora deslocar-se para se por no oeste, uma verdade dos olhos que não enxerga que o movimento é da Terra. Não tão livre porque comumente influenciado pela autonomia de relação e não tão esclarecido em face à seleção de inclusões e de exclusões de significados críticos pelo paciente (seleção de alguma árvore) sobre o que o médico empenha-se em transmitir ao paciente (a floresta).