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816- Aviso aos navegantes… da internet (Parte 2)

A experiência na beira do leito não pode aceitar tal simplificação, por mais que ela represente pensamento cheio de boas intenções. Apesar do propósito da resistência a indesejáveis influências por sedução, manipulação ou persuasão emocional, há que se considerar que:

  1. O médico precisa ter um grau de narcisismo benigno, uma energia narcisista é antídoto contra o burnout.  Ele motiva o comprometimento pelo alcance do resultado que traz satisfação. No narcisismo benigno, ensina Erich Fromm (1900-1980), há um equilíbrio entre o dever (com a medicina) e o resultado cogitado (paciente). As oscilações dos acontecimentos na beira do leito, ora mais ora menos representativo do pretendido mantém o narcisismo benigno dentro das fronteiras da realidade, ou seja, objetividade e realismo da tecnociência circunscrevem pela crítica a percepção dos limites da própria capacidade profissional e assim afasta as malignas onipotência e a onisciência. Em outras palavras, certa inflação do ego profissional fruto da dedicação à medicina é útil para o médico e não compromete a ética. Se o pensamento e o juízo adequados à circunstância  e sustentados pelo saber  sabedoria compensam as deficiências instintivas do homem em relação aos animais, eles também servem para a convivência com a inteligência artificial.
  2. O médico sabe o que é melhor para a enfermidade do paciente. Embora necessário, é difícil para o médico dissociar a doença do doente, afinal ele pesquisou etiopatogenia e fisiopatologia da doença, fez diagnóstico da doença e propõe condutas para reverter/controlar a doença. Evidentemente, William Bart Osler (1849-1919) persiste imortal com sua observação que existem doentes e não doenças, Contudo, o progresso dos métodos e a organização do saber validado em diretrizes clínicas com títulos da doença, projetam a enfermidade mais alto do que a sabedoria do lidar com o doente. O decurso da formatura para a aposentadoria constrói a dimensão da proporcionalidade ciência/humanismo necessária para cada situação. A judiciosa apreciação destes itens 1 e 2 é essencial para evitar o desmoronamento da confiança que tanto desaponta o profissional da saúde de modo geral.
  3. A autonomia de relação é muito mais comum do que a autonomia individual. A ênfase no individualismo não se aplica a muitos casos dada às características de nossas famílias em geral, bem mais participativas do que em outras culturas. É infrequente a tomada de decisão do paciente brotar do seu íntimo sem nenhuma adubagem de circunstantes. Ordenação e controle são facilitados pelo conjunto de opiniões, o que evita, inclusive rompantes emocionais, como se sabe, racionalidade, auto-suficiência e colete anti-emoção são mutuamente influenciados pela  vulnerabilidade da circunstância – medo e raiva comprometem a racionalidade da decisão. É difícil desconsiderar uma dissociação da recomendação técnica do médico na autonomia de relação, quer diretamente, quer através dos familiares e dos amigos que exercem influências sobre o paciente. Um dos significados do livre no consentimento do paciente é a liberdade para reconhecer possibilidades reais – um pleonasmo, pois inexistem possibilidades irreais-, razão do esclarecimento que é feito por quem? Pela relação com o médico.
  4. A prática do direito à autonomia pelo paciente adquiriu forte participação da consulta à internet. Confiabilidade e aplicabilidade ficam ameaçados. Entretanto, a influência como autonomia de relação é poderosa. O médico tem ficado numa posição desconfortável pela tendência de o paciente prover da internet o que é bem e o que é mal, o que se aplica ou não e a escolha entre um desejo imediato e um antagônico alerta de prognóstico.
  5. Pacientes, em geral, esperam do médico não apenas uma aula descritiva, mas uma interpretação baseada na experiência que eles não tem. Quem frequenta a beira do leito sabe bem da expressão de suspeita do paciente – e acompanhante- sobre a capacidade profissional quando os esclarecimentos de cunho exclusivamente descritivo são seguidos imediatamente da verbalização: agora, é o(a)senhor(a) que tem que decidir se aceita ou não. Em outras palavras, a orientação interpretativa pode ser adjetivada como amigável, solidária… ou paternal. Enfatizando uma posição da Bioética da Beira do leito, o paternalismo na beira do leito não tem incompatibilidade com a autonomia, eles podem se completar na eletividade isenta de coerções e de proibições cerceadoras da liberdade de escolha pelo paciente de uma conduta para si próprio.

Despoluir a autonomia na imensidão da beira do leito de uma demonização do paternalismo é preciso!

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