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792- Nostra domus

Não, Nostradamus (1503-1556) apesar da sua capacidade não previu a pandemia de Covid-19. Mas, podemos dizer por uma licença léxica que vivenciamos uma Nostra domus. O nosso domicílio foi revalorizado. O slogan Minha Casa Minha Vida expandiu seu significado. Mais representativo do que home office e que tais.

Em termos de prevenção, percebemos que o bom senso existe porque as recomendações tecnocientíficas são insuficientes na circunstância que vivenciamos. Lavar as mãos, não espirrar ou tossir na cara do outro, ventilar o ambiente não costumam ser prescritos pelo médico até porque não constam de diretrizes clínicas, por exemplo, na área da geriatria que atualmente lidera a preocupação a respeito da gravidade da virose em curso.

A expressão do contágio extrapolou o aspecto biológico, as repercussões  sociais e econômicas são virulentas e a ebulição faz repensar sobre valores individuais e coletivos e refletir sobre o dito por Sun Tzu (544 ac-496 ac) na paz preparar-se para a guerra, na guerra preparar-se para a paz, algo como não há bem que sempre dure ou mal que nunca acabe ou nunca se esqueça que a moeda tem dois lados.

A Bioética da Beira do leito entende que a situação é oportunidade para uma intensificação da reanálise que deve ser frequentemente feita e refeita sobre conceitos e práticas na área das ciências da saúde, utilizando lápis e borracha para os redesenhos. Ensejo para revisão crítica sobre rigidez/flexibilidade, abertura/postura hermética, tolerância/intolerância. Ocasião para sem prejuízo da hierarquia das evidências tecnocientíficas admitir que a vulnerabilidade do ser humano requer amparos além de uma visão cientificista.

Conjuntura que revela o quanto algo tão pequeno que não se vê a olho nu mas com gigantesca visibilidade na repercussão provoca mergulhar no conceito contemporâneo de saúde. Recentemente, o aumento das pessoas com doenças crônicas e maiores complexidades como os idosos motivou uma conceituação da saúde como capacidade de adaptação e autogestão aos desafios de ordem física- proteger-se contra danos-, emocional-  enfrentar situações difíceis e social- cumprir obrigações, portar-se com independência https://academic.oup.com/jmp/article/43/4/402/5050579.

Relacionamos a seguir 10 aspectos de interesse da Bioética alinhados com o que se tem observado desde o início das notícias sobre o novo coronavirus:

  1. Valorização dos profissionais da saúde como agentes morais das ciências da saúde associada à credibilidade que tem sido passada pelas autoridades;
  2. A beira do leito lida frequentemente com contraposições de conduta, opinião, interpretação que exigem a força da competência profissional (conhecimento, habilidade e atitude). Nestes tres meses de domínio do novo coronavirus, ficou clara a pertinência da observação do filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860): Toda verdade passa por três estágios: primeiro é ridicularizada, a seguir sofre violenta oposição e finalmente é aceita como sendo autoevidente;
  3. Observação de frestas em posições rígidas  sobre consulta médica por meio da tecnologia da informação e comunicação em face da inquietude com o presencial;
  4. Dada a urgência urgentíssima, um apoio da comunidade científica guardiã da ética em pesquisa sobre uma flexibilização na aceitação de pesquisa de uma vacina contra o coronavirus com simultaneidade de apreciação sobre eficiência em animais e de segurança em humanos voluntários;
  5. A verificação da vantagem ética da utilização de um mRNA sintético para reproduzir a transmissão do virus para as células e induzir o reconhecimento e anticorpogênese sem utilização de um patógeno atenuado ou uma proteína de superfície;
  6. Repercussão de danos emocionais pelo isolamento, face ao caráter gregário do ser humano, ou seja, uma reversão do alerta que tem sido feito sobre o isolamento emocional representado pelos muitos amigos no facebook e no instagram que significam, na verdade, solidão;
  7. O reforço da visão de beneficência da vacinação, alvo de recentes objeções;
  8. O reconhecimento que qualquer medida na área da saúde tem seus prós e contras, que fronteiras entre prudência e imprudência podem ser obscuras – uma didatização a partir das muitas dúvidas sobre conveniências na mudança de rotinas -, trabalho, escola, lazer;
  9. Pela maior conscientização que todos nós somos pacientes em potencial a qualquer momento, a observação que o direito à autonomia pelo paciente tem suas restrições em situações de emergência- risco iminente de morte evitável;
  10. A imortalidade de a clínica é soberana, um conceito que se enquadra na percepção que só persiste o que muda. A adaptação atual é que havendo o estabelecimento de uma transmissão comunitária a preocupação da prevenção desloca-se para a soberania da manifestação clínica, algo como o tradicional alerta quando a gripe torna-se uma pneumonia.

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