Heteromedicação e automedicação são expoentes da medicina contemporânea. A polifarmácia cresce, trazendo à mente Miguel de Oliveira Couto (1865-1934): “… Nesta receita entrou toda a botica, só faltando o boticário… Como ficou tonta a natureza para atender a tantas ordens ao mesmo tempo…”.
Numa visão mais contemporânea, a disposição recíproca entre fármaco e sistemas/órgãos/receptores/genética é mais heterogênea do que se pretende na beneficência da prescrição. Há o sal ativo, há veículos, há meias-vida, há peculiaridades metabólicas, há interações e há as morbidades e as comorbidades. Obscuridades justificam-se!
Relaciono 10 observações sobre o lado sombrio do uso de fármacos que exige não somente a avaliação da relação risco/benefício para efetivar a prescrição, como também da arte de esclarecer previamente sobre as potencialidades de adversidades ao paciente.
- Todo fármaco sem exceção deve ser considerado agente em potencial de adversidades. A cogitação aplica-se ao prazo breve da utilização, ao uso continuado e ao futuro de modo geral. Fármacos em si ou alguma substância agregada têm sido alvo de supostas etiopatogenias insidiosas de doenças graves.
- O potencial de adversidades específicas e inespecíficas exige esclarecimentos do médico ao paciente no decorrer do processo de tomada de decisão. O juízo sobre os riscos pode provocar movimentos para ajustes simples ou radicais na prescrição.
- Uma primeira justificativa para o esclarecimento ao paciente acerca do potencial de adversidade de fármacos é a possível influência no consentimento do paciente – contraposição á beneficência.
- Uma segunda justificativa para o esclarecimento ao paciente é o preparo para eventuais providências evolutivas – o alerta pelo paciente, modificação na dose, medicação adicional, suspensão do uso (não maleficência/segurança biológica)
- Existe o efeito nocebo- placebo negativo, expectativa negativa e ansiedade. Gêmeo do placebo, nocebo é uma substância que provoca dano ao paciente devido a expectativas negativas do paciente. Pesquisas clínicas revelaram que percentual de voluntários manifestam adversidades cogitadas em potencial (como na droga real) no decorrer do uso de placebo.
- Há evidências na literatura que na assistência, em pacientes suscetíveis, o efeito nocebo ligado à exposição do médico amplia as chances da realização das potencialidades. Tal resposta suscita dúvidas sobre seleção e modo de dizer ao paciente. Recorde-se que o Art. 34 do Código de Ética Médica vigente dispõe que é vedado ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do
tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.
- Os efeitos adversos inespecíficos- epigastragia, cefaléia, tontura, sonolência, fadiga, insônia, mal-estar vago- estão mais associados ao efeito nocebo.
- A Bioética da Beira do leito entende obrigatórios os esclarecimentos sobre os efeitos adversos específicos, que em geral são os mais preocupantes, tanto em razão do consentimento quanto das necessidades evolutivas.
- A Bioética da Beira do leito entende como opcional os detalhamentos sobre os efeitos adversos inespecíficos, pois eles são mais banais e em geral são conhecidos por todos. O racional está ligado à evitação do efeito nocebo.
- A Bioética da Beira do leito entende que a eventual substituição da comunicação pelo médico de uma relação de efeitos adversos inespecíficos pela colocação à disposição – ” Me avisa caso haja alguma novidade…” – é eticamente justificável.