O vestido virou saia justa. Tudo começou com uma divergência. Alguém via cores no vestido que não eram as mesmas vistas por outra pessoa. A dúvida tornou-se viral nas redes sociais. Os tons das listras entraram em competição com os 50 tons de cinza. Um abalo sobre o que seja de fato o mundo real. Um vestido que desnudou ambiguidade do cérebro. Nenhum marqueteiro pensou como tática para vender vestido.
O vestido-hieróglifo despertou o Champollion (Jean-François, 1790-1832) existente em todos nós. Cada um decifrou as cores carregando a bagagem perceptiva. Ponto para os artistas que pintam o que vêem e cantam o que sentem. Todos nós artistas por um instante nutrindo o meme.
Uma besteira para engrossar o coro daqueles que demonizam vínculos e fluxos de informação nas redes sociais on line? Claro que não.
O viral fala por si, distintas pessoas em distintos ambientes e em distintos países comungaram a provocação e se relacionaram sobre o fato, eletrônica e pessoalmente – sim, o eletrônico não é só fonte de ensimesmamento. Um vírus comunicativo e globalizado travestido como uma imagem.
O jornalismo repercutiu, cientistas deram explicações, a questão passou para a história. Como qualquer manchete, logo amanhece esquecida, foi tão-somente um momento de lazer, em bom brasileiro, um papo do cafezinho, fugaz, mas marcante.
Este transitado pelo cotidiano contém uma lição preciosa: o que eu enxergo e entendo que seja uma verdade, devo consultar como você enxerga, não espero que você enxergue igual, após conhecer o seu modo de ver, mantenho a minha opinião ao mesmo tempo em que respeito a sua eventual divergência, ou passo a entender que a sua é mais sensata. Resumidamente: A virtude da tolerância. O reforço que verdades não são certezas.
É aí que o vestido listrado polêmico tem a ver com a Bioética. E faz bater a pretensão: Como “viralizar” a Bioética? Será que o caso do vestido traz uma luz (sem trocadilho)? Confesso que não me ocorre algo assim tão imaginoso, colorido, espetacular e direto. Cuidado ético.
Mas fica claro que devemos armanezar o episódio. Ele aumenta a competência criativa de expandir contra limites. Pois é matéria-prima para se juntar à próxima sensação, à seguinte, à subsequente, na sucessão que, de repente, forja uma inspiração. Paciência alerta para a pavimentação de um caminho que leve à proximidade de uma criação eficiente.
É sabido que estes armazenamentos trabalham mesmo quando não se pensa no assunto, até que num dia, determinado estímulo faz eclodir a ideia, que dita ser do momento, é eureka da maturação de um processo subconsciente de criatividade. Persigo, logo realizo.
A diferença é que quaisquer que sejam as cores do tal vestido e o tempo de celebridade- certamente curto, pois emocional-, este vírus-manchete morrerá para dar lugar ao próximo, diferente e em circunstância inteiramente distanciada. Ele não se envolveu com uma tomada racional de decisão.
A Bioética, todavia, não pode ser assim. Ela envolve muito mais do que uma discussão fugaz entre tese e antítese, descompromissada com uma resolução. A situação clínica pode ser inesperada como no caso do vestido, mas nunca banal. O vírus da Bioética precisa encontrar receptores específicos, definitivos, que provoquem uma síntese. Não há campo para a atitude fanática- é azul! É dourado!-, a Bioética exige mente aberta. Isto porque mesmo método aplicável à Saúde pode listar-se como um bem ou como um mal. É essencial conhecer com “tintas carregadas” antes de usar- tanto quem aplica, quanto quem se submete.
Mente aberta é a palavra-chave contra o desvirtuamento e contra as falsas expectativas no campo da Medicina. O vírus imaginário desejado tem que superar um aspecto anatômico. Como “atacar” a sede, o cérebro que tem intransponível proteção óssea? Ele tem que atuar através dos órgãos dos sentidos. O vírus do vestido, assim fez, ele contaminou a visão e desafiou a capacidade de interpretação óptica.
O mapa para a Bioética destaca o sentido da audição. O vírus tem que pegar carona no som e, literalmente, caminhar na frequência humana entre labirintos.
O objetivo para a Bioética da Beira do leito é formar um circuito de comunicação esclarecedora entre a audição do paciente e a audição do profissional de saúde. Este vírus imaginado necessita ter a propriedade de produzir tradução simultânea entre os dialetos do médico e do paciente. Eu informo, tu analisas, você compreende, nós nos ajustamos, vós consentis, eles acontecem é a conjugação “bioética” de acolher.
Vestido é confecção. A comunicação de interesse da Bioética também. Há clara analogia com a necessidade de se vestir, de bem se apresentar, de escolher o tecido e o padrão, de criar um modelo, de respeitar a moda, de agradar pelo conforto e de ajustar-se à ocasião. Inclusive, ficar pendurado num cabide, à disposição, limpo e preservado na sua integridade, aguardando a oportunidade conveniente.
O efeito viral do vestido pode ser um enigma. Um efeito viral pode ser uma ameaça. Mas ele pode despertar a consciência moral. É deste tipo de multiplicação que precisamos para a difusão da Bioética!