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982- Saúde (Parte 4)

Há muita discussão sobre pares de entendimento da saúde: puramente descritivo ou com necessidade interpretativa acerca de bom para; de modo reducionista como qualidade de um conjunto de constituintes do corpo ou expansionista, uma pessoa como um organismo; uma capacidade interna da pessoa ou uma capacitação frente a circunstâncias externas, a oportunidades que podem variar de acordo com determinantes ambientais e culturais, necessidades de escolhas que soam diferentemente para cada pessoa.

Bioamigo, apresento  cinco formulações a respeito da conceituação de saúde:

I- Ausência de doença

Uma formulação conceitual sobre saúde admite analogia à guerra e à paz, e em vista disto saúde representa ausência de doença, um conceito radical que a chamada guerra fria e a possibilidade de perturbação da paz sem uma declaração formal de guerra observadas na política servem de orientação para a inconveniência de uma contraposição rígida entre saúde e doença.

Este conceito ganhou muitas críticas pelo caráter puramente descritivo e bioestatístico, uma sensação de órgãos biologicamente organizados como capítulos de um livro de medicina. Ele foi importante numa época de esplendor do acúmulo de conhecimento de doenças em ausência de terapêutica específica.

Em termos de objetivos humanos habituais como felicidade, reprodução e sobrevida, ausência de doença deixa a desejar na contemporaneidade da exitosa beneficência das ciências da saúde. Todavia, justifica-se sua persistência numa composição de um amplo conceito de saúde pelo alerta sobre chances de reduções da eficiência de setores do corpo a se tornarem interesse do paciente. Em suma, uma coisa é sintomas, sinal, exame alterado outra é a repercussão objetiva e subjetiva, o que fica mais bem compreendido no idioma inglês que diferencia disease (sintomas, sinal, exame alterado) e illness (repercussão objetiva e subjetiva) ou na expressão clássica, há doentes, não doenças.  O hipocondríaco satisfaz-se com o conceito de ou estar com saúde ou ter uma doença.

II- Capacidade para cumprir objetivos prioritários de realização pessoal

Uma segunda formulação conceitual é saúde como capacidade para cumprir objetivos prioritários de realização pessoal. Assim, perante oportunidades persiste a capacidade de realização de objetivos. A presença da anormalidade não compromete a dignidade humana. Esta abordagem aplica-se à concepção de fator de risco. A hipercolesterolemia, por exemplo, desde que não-familiar, não necessariamente é uma doença, mas uma influência etiopatogênica, assim como a Mary tifoide era uma portadora assintomática com capacidade para cumprir objetivos prioritários de realização pessoal.

III- Capacidade de autorregular um conjunto de capacidades básicas

Uma terceira formulação conceitual é a capacidade de autorregular um conjunto de capacidades básicas. É conceito que alinha capacitações pessoais com o domínio da saúde, o poder de praticar direitos, inserido num contexto de justiça da saúde, justiça social.  Indica que a presença de um CID pode conviver com bem-estar se não houver o par constituído por incapacitações (internas) e discriminações (externas).

Conjuga saúde com habilidades pessoais e poder situar-se de fato numa interação com o ambiente externo, sem a qual fica comprometida a qualidade de vida, rebaixa-se o bem estar do atingir felicidade, usufruir de liberdade, satisfazer necessidades básicas. Em suma, para falar em saúde não basta ter a capacidade de fazer é necessária a presença de reais oportunidades para a realização.

A efetiva reposição hormonal por levotiroxina proporciona condições metabólicas para alguém motivar-se mentalmente e conseguir fisicamente matar um leão por dia, todos os dias. Mas,  precisa existir o leão social.

Há sem dúvida uma doença: no caso a doença de Hashimoto-, preenchimento os critérios de disfunção (na produção hormonal), repercussão clínica (hipotiroidismo), explicável por fatos biológicos e está além do controle direto consciente do paciente. Contudo, o bem-estar está preservado pela contribuição da medicina e há conjunturas externas para as realizações de fato acontecerem. Uma mentalização de ecossistema em que a doença do indivíduo é amparada pelo sistema de saúde proporcionado pela sociedade  em ausência de obstáculos sociais maiores – recursos bióticos e abióticos.

Este conceito também é aplicável a circunstâncias sociais onde a saúde pode ser vista pelo seu avesso, sem um CID, por exemplo, em situações onde dogmas comprometem a qualidade de vida, o bem-estar proporcionado pela felicidade, pela liberdade. A adolescência é pedagógica neste aspecto construtivo da interação indivíduo-cultura.

IV- Estado de completo bem-estar físico, mental e social

Uma quarta formulação conceitual é o estado de completo bem-estar físico, mental e social. Há um complemento: saúde não é ausência de doença, o que significa que doença é tão somente um dos fatores que influenciam a saúde. De fato, nesta ampla concepção gerada pela Organização Mundial da Saúde, saúde identifica-se com bem-estar como uma aspiração universal de para todos os povos e não apenas como fator para o bem-estar.

Assim esta conceituação de saúde idealiza o respeito a direitos associados a tudo que possa gerar bem-estar como a prevenção de fatores de risco, mudança de hábitos e efetivo acesso à pluralidade de serviços do sistema de saúde.

V- Habilidade para se adaptar e autogestão face a desafios de ordem física, mental e social

Uma quinta formulação conceitual é a habilidade para se adaptar e autogestão face a desafios de ordem física, mental e social envolvendo seis dimensões: funções corpóreas, funções mentais e percepção, contexto espiritual/existencial, qualidade de vida, participação social e atuação cotidiana. Ela tem fundamento na possibilidade de longa vida em convivência com doenças crônicas e suas oscilações clínicas, o que torna inadequado o termo completo na formulação pela Organização Mundial de Saúde.

No aspecto físico significa a capacidade para homeostase, proteger-se de danos e preservar o equilíbrio. No âmbito mental representa a capacidade para enfrentamento de forte estresse psicológico e proteção do estresse pós-traumático e mostrar coerência a respeito da significância de situações difíceis. No contexto social,  a capacidade de se portar com independência apesar de limitações e realizar as oportunidades de tarefas na sociedade.

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