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928- Vacinar ou vacilar? (Parte 1)

Digna de um monumento uma vacina que elimine a Covid-19 está por vir. Um desejo planetário. Uma ideia que ajuda a suportar as inconveniências das restrições. O resgaste, enfim. Numa letra, a transformação do desgaste. Cada um fará o resgate do que era para dizer o novo – ou o de novo- eu.

Um futuro tão ansiado a respeito do fato libertador quanto propenso a divergências de opinião. Dissensos sobressaíram-se na pandemia. Espera-se que  uma imunização provoque o consenso de deixar o novo coronavírus como um fato histórico da humanidade marcante mas página virada. Por enquanto, todavia, a bola de cristal está turva. Uns advinham rosas, outros espinhos. Será um amanhã próximo ou distante?     Bola de cristal

A convicção da seriedade das pesquisas que os profissionais da saúde, conhecedores que são, estão acostumados a endossar convive com certo grau de desconfiança na população em geral. Há muita achologia no ar coexistindo com o vírus, paradoxalmente, visando a não lavar as mãos,  não fugir da responsabilidade qual Pilatos, mas com dificuldades de  conciliar magnetismo orientador de uma bússola com um sentido de magnetismo pessoal. O nível de crédito nos desenvolvedores e nas agências de validação faz a diferença.

A História, memória e identidade, é uma escola. A narrativa sobre as muitas vacinas disponíveis supõe bem mais tempo para conclusões seguras das pesquisas e para a gigantesca produção do que certas vozes divulgam atualmente. Protocolos precisam ser rigorosamente obedecidos, especialistas críticos bem postos e interdependências de decisões sujeitas à globalização detalhadas.

Vieses de interpretação pessoal – a vacina pode destruir, não preservar- acrescem comportamentos antivacinais. Pela pluralidade, há os indivíduos que já se dispuseram a doar-se como voluntário de pesquisa e há os que afirmam que nunca deixarão receber a fonte de imunização. Qualquer fósforo riscado para prover alguma iluminação corre o risco de acionar muito comburente disperso. Crescimento ou deterioração? Realismo ou irracionalidade? Somos facilmente influenciáveis ou bem conscientes sobre influências? Um predicado de indeterminação da doença, bem evidente no seu início a respeito da fisiopatologia/clínica, persiste provocando desafios, dilemas e confrontos relativos à erradicação.

O conceito de proteção de uma doença infecciosa sequente a uma inoculação do agente teve origem popular. Um fato da natureza. Começou na observação leiga que ordenhadeiras tinham contato com a varíola do gado, apresentavam reações benignas e se livravam da varíola humana.

O médico inglês Edward Jenner (1749-1843) interessou-se pela questão no final do século XVIII e por meio de um procedimento antiético para os padrões atuais comprovou em único caso que o contato com a vacínia – assim se chamava a varíola do gado- impediu o desenvolvimento da varíola após provocar a contaminação. De vacínia, veio o termo vacina. A falta de uma vacina, como atualmente, facilita avaliar a magnitude que a contribuição representou para a humanidade.

O respeito pelas pessoas dominou a expansão das vacinas, já no século XX, mas, enevoada pela triste participação de outro inglês, o então médico (licença cassada a seguir) Andrew Wakefield (nascido em 1957), cerca de 200 anos após Jenner. O agora ex-médico afirmou que a vacina MMR (protege contra sarampo, rubéola e caxumba) associava-se ao espectro do autismo e a episódios de inflamação intestinal grave. Investigações  concluíram que houve fraude na afirmação de presença do vírus do sarampo e que houve conflito de interesses a respeito de uma vacina concorrente à MMR. Sequelas persistem.

O Brasil construiu um magnífico calendário de imunização por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), que vai completar 50 anos. Todavia, há evidências atuais de queda da cobertura vacinal da população e de aumento de um movimento antivacinal. Parece que se cria uma espécie de oximoro, pessoas imunes à ideia de vacinação. Muitos  opositores que desejam se distanciar da vacina mas reclamam do distanciamento social e que não abrem mão de instalar antivírus em seus computadores.

Aproximar-se da vacina é oportunidade para se reaproximar do rotineiro pessoal e profissional. Não obstante, à semelhança ao atribuído a François-Marie Arouet, o Voltaire (1694-1778), a Bioética da Beira do leito entende que o dito pelo outro do qual discordamos é um direito que deveríamos defender. Aí, todavia, surge o paradoxo da tolerância: até que ponto devemos tolerar a intolerância?

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