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886 – Palavras fluem na busca do consentimento (Parte 3)

O habitual desnível do saber cientifico envolvido no consentimento requer um quantum satis  variável caso a caso  entre o que seria demasiado e o que seria insuficiente. É capital que a medicina seja recontextualizada pelo médico e que o paciente refaça como própria contextualização numa moldura eticamente aceitável, que evite excessos tecnicistas, naufrágios de sentido e reducionismos cognitivistas.

Ademais, haverá os limites dados pelos valores do paciente, suas adesões e crenças. Em outras palavras, o exercício da autonomia é complexo, pois foca numa decisão do paciente que se faz repercutindo os pensamentos expostos do médico pelos próprios valores. É ilustrativa a recusa do paciente Testemunha de Jeová de receber transfusão de sangue por razões bíblicas.

Em síntese, pensamentos exteriores com enorme autoridade tecnocientífica incidem sobre uma alteridade constitutiva  com liberdade de expressão sobre a intenção de provocar um consentido esclarecido.

O bioamigo bem sabe que beira do leito convive com formatações comunicativas emissoras e dialógicas que se qualificam pelas habilidades de conversação e pelos graus de empatia do médico. Qual um professor, ele analisa o que é “escolarizável”, o científico ensinável, pretendendo fazer aula de um modo que tenha um impacto integrativo.

A ênfase é válida: Sem uma formatação profissional comunicativa, a legitimidade do consentimento fica comprometida em relação ao espírito que gerou o princípio da autonomia. Por obviedade, consentimento não esclarecido não vale.

Técnicas de comunicação na beira do leito utilizam-se da sutileza de pensar e verbalizar por uma transposição de contexto. É estratégia para dar maior expressividade, um toma de lá para aqui que os extrai  do contexto original de outros saberes e recontextualiza, num empréstimo visando ao efeito didático do esclarecimento. Um final de explicação com tome um comprimido por cinco dias, é tiro e queda traz para a beira do leito o contexto de uma caça bem sucedida… muito embora, eu tenha tido por duas vezes – a tal da lei de Velpeau (Alfred-Armand-Louis-Marie Velpeau, 1795-1867)?- recebido imediatamente o seguinte comentário do paciente: doutor, e se for um tiro no pé e a queda for da minha condição? 

Cada médico é instado pelo cotidiano a construir seu estilo de comunicação, sua conexão com o paciente, consciente da influência do modo como se decide a utilizar simbolismos para facilitar o conhecimento pelo leigo de um saber tão complexo, assim contribuindo para a preservação da autonomia e decorrente de fato esclarecido consentimento a ser recebido. Um atestado de não abuso.  

Aspecto fundamental é que o médico por ofício possui grande quantidade de conhecimento especializado distribuído em muitos compartimentos classificatórios e muito desta diversidade é necessária para compor as informações – uma referência etiopatogênica, outra fisiopatológica, outra diagnostica, etc… etc…, que são passíveis de formar labirintos na mente do paciente. Caso o médico não trabalhe sua comunicabilidade, o “discurso” tem chance de deixar conteúdo e ocasião no ar. As decorrentes indefinições têm a desvantagem ética de desvalorizar o exercício genuíno do direito à autonomia pelo paciente na beira do leito. 

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