O princípio da autonomia na beira do leito é exercido por movimentos combinatórios entre a medicina que faz recomendar, o médico que pode aplicar e o paciente que pode desejar. O percurso das palavras tem forte influência de aspectos não verbais, como a situação clínica, o local, a disposição emissora e receptiva. Em suma, costuma haver muitos “ruídos” impactando numa etiquetagem de informação esclarecida.
Na prática, o Sim do paciente é devolutiva recebida pelo médico sem maior aprofundamento interpretativo, o que costuma ser diferente frente ao Não. O direito de não concordar e ser respeitado que leva em consideração o alerta expresso por Lúcio Aneu Seneca (4-65): todos homens preferem acreditar a exercitar o julgamento. O denominador comum ético desta distinção de recepção é a qualidade da comunicação do médico, a sua responsabilidade do propósito expresso, fomentar o esclarecimento ao máximo possível.
O respeito pelo processamento da informação pelo paciente precisa considerar suas deficiências habituais de conhecimento especializado. Pode-se dizer que o paciente “chega nas imediações”, ele entende a sua maneira que os grãos de informação recebidos já se tornaram um monte Sim ou um monte Não, figurando o paradoxo de sorites. Na minha experiência, a confiança no profissional/instituição de saúde é forte impactante na distinção da linha de corte.
Numa situação clínica comum, o médico diz ao paciente de um modo descritivo (sua glicemia é 300 mg/dl) e de um modo discursivo (precisa ser baixada) que assim não pode ficar, sugere uma conduta e o paciente concorda ou não com a necessidade de aplicação. Acontece que dizer como deverá ficar depois não garante a realização cogitada, ou seja, o discursivo carrega indeterminações (baixará rapidamente?) que originam transmissão de pensamentos hesitantes para o paciente.
Assim, em termos de comunicação como essência para o exercício do princípio da autonomia, além da informação e da compreensão, conta muito no consentimento do paciente a expectativa sobre as indeterminações do resultado, onde atuam correlações estatísticas que podem ser verdades captadas de um coletivo, mas nunca certezas individuais.
Uma questão se apresenta: Há uma linguagem própria da beira do leito, um modo profissional natural de representar o pensamento para o paciente que possa ser afirmado como respeitante da ética? A Bioética da Beira do leito entende que não há, o compromisso profissional é com o objetivo de tornar a informação um recurso para a compreensão. Em tese, qualquer construção da comunicação valeria no contexto, o que traz a mensagem moral que transposições de conceitos de outros campos do saber podem ser bem-vindos. Na busca de maneiras de se expressar para a individualidade daquele paciente, variantes criativas preenchem a observação do dramaturgo irlandês William Butler Yeats (1865-1939): Think like a wise man but communicate in the language of the people.
É notório como utilizamos na beira do leito correspondências de situações para beneficiar a precisão de entendimento, reduzir o número de possibilidades de capturas não didáticas do “plano de aula”. Isto significa a inclusão de forte intenção profissional de evitar falsas compreensões – a experiência vai colecionando-, mas a função não assegura as pretendidas, pois o caminho tem pedras de ambiguidade, supervalorização e niilismo.
Bioamigo, aqui abro um parênteses: as pedras que mencionei referem-se ao poema No meio do caminho de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Ele fundamentou uma aula inteira sobre comunicação em medicina que tive onde o professor enfatizou o valor da redundância e da repetição em reciprocidade com a percepção da reação do paciente. Parênteses fechado.