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883- O médico como um gene aperfeiçoador (Parte 7)

gene hipoUm temor  e que temor!- do médico contemporâneo é de ser processado pelo paciente/familiar. Uma das alegações é ter havido inadequada apresentação dos riscos sobre a conduta aplicada. O dissabor de CRM tornar-se sigla para Conduta Reprovável do Médico.

Lidei com grande número de casos desta natureza como delegado do CREMESP e posso assegurar que é circunstância constrangedora. A variedade de situações trouxe-me a sensação que o tradicional termo relação (médico-paciente) deve ser substituída para conexão, pois, melhor expressa que se tornou  mais frágil, “cai” mais facilmente.

A Bioética da Beira do leito, por isso, enfatiza a validade da comprovação da emissão esclarecedora do que a média dos médicos faria para uma razoável expectativa de compreensão por pacientes em circunstância similar  e da manifestação de efetivo entendimento. Eventuais riscos que ficaram fora das informações e se realizaram podem ser interpretados, inclusive,  como se não era risco e aconteceu, então, foi por algum erro cometido pelo profissional responsável. A memória expressa pelo pensarprontuário do paciente  (Art. 87 do Código de Ética Médica vigente: É vedado ao médico deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente) versus a memória pessoal!

Estudiosos da memória indicam a possibilidade de uma construção na recordação de cenas que nunca ocorreram, bem como acréscimo de detalhes, não necessariamente por má-fé. Assim, numa necessidade tensa como a de lidar com má evolução do procedimento consentido, o paciente pode manifestar falsas memórias, ilusões de memória e distorções de memória, “reescrevendo” o passado. Acreditando que é uma verdade, o paciente não estará, então, tecnicamente mentindo.

Ansiedade, culpa, raiva e medo são etiopatogenias da revisão da história do consentimento. Desta maneira, o direito do paciente ao princípio da autonomia e sua expressão maior que é o consentimento articulam-se com o futuro por meio da memória do processo, que não deve ser considerada simplificada na beira do leito como uma gravação do passado ou um instrumento de ruminação mental. Em outras palavras, a liberdade e a compreensão do momento do consentimento podem sofrer lapsos de recordação pelo fato de a memória ser uma viagem mental no tempo contaminável pela imaginação. É lição magna da beira do leito!

O termo de consentimento por escrito e assinado reduz a credibilidade em versões construídas de memória, mas, infelizmente, a burocratização da importância fez descambar para assinatura sem leitura interpretativa profissionalmente assistida, algo parecido com um analfabetismo funcional. Infelizmente, prolifera e compromete a imagem do profissional da saúde como um agente moral. Processo

Em suma, a prática de “o médico como um gene aperfeiçoador para incrementar a capacidade deliberativa do paciente”, alinhada à competência para o exercício do direito à autonomia, inclui-se nas contribuições éticas para o paciente compreender as informações, reter, refletir criticamente sobre prós e contras, avaliar consequências imediatas e tardias, evitar a entrada em atalhos fantasiosos, usufruir ao máximo de sua capacidade cognitiva e bem comunicar a escolha, sempre tendo a possibilidade do diálogo.

A Bioética da Beira do leito  tem como imprescindível a combinação de informações externas e habilidades internas do paciente para afastar a tomada de decisão da superficialidade no processo de consentimento livre e esclarecido. Por isso, a validade da figura fantasiada do médico como gene hipocrático para o paciente.

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