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880- O médico como um gene aperfeiçoador (Parte 4)

gene hipoDe propósito, estamos evitando usar o termo paternalismo, termo que internalizou um conceito demonizado na beira do leito, algo como um coercitivo fator de fratura na identidade do paciente.

Não desejo baralhar com suas distintas conotações de influência na competência deliberativa do paciente: o paternalismo como bem-intencionada ajuda ao paciente e o paternalismo como indevida intenção de reger o paciente.

A Bioética da Beira do leito tem alertado como o conjunto linguagem – sintaxe+semântica+pragmatismo- do paternalismo atua automático no pensamento na beira do leito.

Há um poder no termo por uma versão de significado aplicada como indiscutível etiqueta classificatória, a exemplo de: Ah! É um produto natural, portanto não faz nenhum mal, Ah! prefiro importado, portanto é mais qualificado, Ah! É poliglota, portanto é muito inteligente, Ah! O médico foi paternalista, e os direitos do paciente como é que ficam? E por tocar neste assunto, será que conseguimos explicar a Bioética como fazemos com nossa especialidade médica? Há muitas versões, não exatamente completas e opostas, mas parciais e complementares.

A minha turma de 1967 da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a popular Praia Vermelha, teve o dissabor de ver o prédio demolido poucos anos depois para tornar irreversível a mudança para o Campus da Cidade Universitária, na Ilha do Fundão. FNMFaço uma analogia, a necessidade de fazer prevalecer o princípio da autonomia empurrou uma versão danosa do termo paternalismo para a lata do lixo da ética. O piloto automático ético do médico passou a ser programado para nortear-se pela interpretação de autonomia como um vigoroso antônimo de paternalismo. Mas, sempre tem um mas, há um salvo no iminente risco de morte evitável expresso no Código de Ética Médica vigente.

O bioamigo há de concordar que a rica profissionalização como médico desenvolvida por jovens leigos que começam a cursar a faculdade de medicina não deve ficar inerte – a devoção existe- por uma antipatia ao paternalismo sustentada tão somente pela possibilidade de um poder coercitivo do médico, talvez mesmo por uma pretensa superioridade de classe.

Para a Bioética da Beira do leito, a variante contemporânea do “Poder de Esculápio”, o médico como remédio, não é uma rotina antiética, embora como todo remédio sua bula não deixa de ter reações adversas.

Na análise crítica de uma consonância entre beneficência e sentido de paternalismo, vale apreciar a organização de diretrizes clínicas. A dimensão de efeito IIb não pode ser totalmente desconsiderada para aplicação, mas tende a ser inútil. Na conjectura de privilégio da autonomia, ela deverá ser mencionada e esclarecida. Se não for, a fim de evitar esta escolha, uma recomendação “seca” de uma dimensão de efeito mais resolutiva (I/IIa) pode ser interpretada como omissão de informação e vista como um verdadeiro paternalismo balizando a autonomia do paciente. Seria o caso de eliminar a designação IIb para não comprometer o espírito do direito à autonomia pelo paciente?

Na prática, inclusive, não é infrequente o médico apresentar a opção I e nem mencionar a IIa, que é definida como também útil. Tudo isto evidencia que o mesmo o fantasiado gene hipocrático aperfeiçoador da capacidade de absorver a medicina ficaria sem poder exercer a idealidade decisória por carências de alimentação de informação.

Por outro lado, o paciente pode responder com um Não quero para as indagação do médico Você quer saber de tudo bom ou mau? Ou Prefiro para a indagação do médico Você prefere decidir ou fica mais confortável seguindo minha conduta? Estas nuances culturais dão uma ideia de como o exercício do direito à autonomia pelo paciente é calidoscópico em relação à assimetria de informação.

Considerando o dualismo dos métodos em medicina- o comprimido redondinho é um “bastão’ com uma extremidade benéfica e outra maléfica-, fica claro que o simbolismo do empatia_autodominiogene hipocrático ajuda a evidenciar a vantagem de prover certa igualdade de condições médico-paciente para o cotejamento.

O que costuma acontecer numa internação hospitalar é pedagógico. O médico após o consentimento macro – principais métodos motivadores da internação- acresce prescrições de modo paternalista como uma naturalidade de desdobramento. Já é folclórico o “carimbo” do protetor gástrico, dificilmente alvo de um consentimento específico.

Também Pudera! Cada passo, uma autorização, seria um exagero. Mas que os passos assim dados são paternalismo, não há como negar. Se o faz parte, se o que resulta inconscientemente embutido na autorização para, por exemplo um título, anestesia geral, colecistectomia, tomografia com contraste, é ético, não há porque demonizar o paternalismo no atacado. Um detalhe, o paternalismo brando!

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