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877- O médico como um gene aperfeiçoador (Parte 1)

gene hipoÉ preciso ser humano para haver medicina é frase ao estilo de Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (1895-1971), o famoso Barão de Itararé, jornalista e precursor do humorismo político no Brasil.

Um suposto AVC sem sequelas aos 23 anos de idade fez desistir da intenção de se formar em medicina, estava no quarto ano da faculdade. Teria revestido a beira do leito com uma bem humorada e terapêutica comunicação médico-paciente. Teria imunidade natural ao burnout. Nada da sisudez do magiter dixit da primeira metade do século XX,  época de muitos conceitos, escassa tecnologia e nenhum impacto sobre o prognóstico.

O sentido duplo do É preciso ser humano para haver medicina persiste atemporal embora cada vez mais exigente  de esforços de preservação. A Bioética propõe-se a tal continuum e a missão de certa forma reproduz a tenacidade exalada da biografia do Barão de Itararé.

A Bioética da Beira do leito adotou a resposta realista e otimista que o Barão de Itararé deu quando foi acusado de não ter futuro: futuro eu tenho, o que não tenho é presente. 

Em outras palavras, a Bioética de Beira do leito entende que os profissionais da saúde são como células-tronco totipotentes e endossa o dito por Sir Winston Churchill (1874-1965) aos 80 anos de idade: Sou um otimista, não parece haver utilidade em não ser.

A disponibilidade deste construto comportamental indutor de auto-estima, bem-estar e sucesso profissional ajuda a  trabalhar o ambiente da beira do leito vendo atingíveis a diferenciação desejável. Nada mais antagônico às ciências da saúde na beira do leito do que a imutabilidade e a durabilidade pessimistas sobre os males de saúde. A carência da crença positiva sobre objetivos clínicos anula esperanças e tende a movimentos de desistências e a sentimentos de culpa. A citada diferenciação tem metas cognitivas e emocionais  e começa a se realzar no primeiro ano da faculdade, cresce em abrangência e profundidade na residência profissional e nunca termina.

Barão11

Os processos mentais desenvolvidos na beira do leito contemporânea articulam-se com exigências da medicina baseada em evidências, respeito ao direito de consentimento – ou não- pelo paciente e preocupações com adversidades.

Estes aspectos interligam-se por substratos morais, éticos e legais. Estão em muitos textos para serem apreendidos, mas, também, no interior de cada um, como bagagem pré-profissional, caráter e temperamento. Fazendo ajustes pelos 90 anos passados, o conteúdo do artigo  19º do código de moral médica de 1929 persiste um ponto de referência na beira do leito: O médico deverá sempre ajustar suas conduta às regras da circunspeção, da probidade e da honra; ser um homem honrado no exercício da profissão assim como nos demais atos da sua vida. A pureza de costumes e os hábitos de temperança são também indispensáveis ao medico, porquanto sem um raciocínio claro e vigoroso não poderá exercer acertadamente o seu ministério, nem mesmo estar aparelhado para os acidentes que tão a meudo exigem a rápida e oportuna intervenção da arte.

Pela curiosidade histórica, aproveito para informar aos colegas mais jovens que exerci a medicina durante vários anos pós-formatura sem desenvolver uma articulação mental entre medicina baseada em evidências, respeito ao direito de consentimento – ou não- pelo paciente e grandes preocupações com adversidades, simplesmente porque a tríade inexistia do modo ordenado de hoje.

Entretanto, asseguro que o espírito embutido nesta associação já permeava minha relação médico-paciente, creio que fruto da qualidade do ambiente universitário de excelência que frequentava. A essência da tríade calava fundo  na crítica em busca da excelência. A irriquietude que ajuda a construir o narcisismo benigno que precisamos para confiar em nossa imagem profissional e nos autorizar a apresentá-la como cartão de visita (Princípio fundamental XXVI do Código de Ética Médeica vigente: A medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados).

Sentia a vontade de poder  desempenhar uma função e entendia os primórdios da tríade um bem verdadeiro em relação às necessidades do paciente e não percebia nenhum sinal de rejeição por parte dele. Havia um itinerário para as tomadas de decisão, absorvido, fundamentalmente, dos professores e livros, mas atento a certos vieses “mais transgressores” de uma nova geração. Benefícios eram incertos mas não eram males certos porque as individualidades contavam muito.

Sem desrespeito à liturgia da beira do leito, podemos simplificar que a medicina baseada em evidências orienta sobre a utilidade de métodos do acervo qualificado da medicina, o consentimento expõe se o paciente entende a utilidade como útil e a preocupação com a adversidade compete com a apreciação sobre utilidade/útil. A prudência amálgama este contexto tripartite. Esclareça-se que foi a partir do Código de Ética Médica de 1988 que imperícia, imprudência e negligência passaram a dominar a linguagem antiética e contribuíram para maior valorização da deontologia na beira do leito.

Como efeito da evolução do É preciso ser humano para haver medicina,  o paciente contemporâneo precisa pensar mais do que seus avós necessitaram para aderir à conexão ao médico/medicina consciente do que ela pretende com ele. Especialmente, o pensar mais elaborado e dependente de concentração, não aquele que opera automática e rapidamente.
Pensar não é difícil, o que pega é a qualidade do pensamento frente aos componentes da medicina e seus vários níveis de exigência. para um enfim cogitado, o consentimento de fato autonômico do paciente requer, habitualmente, um pensamento crítico sobre novidades para ele, melhor se com suficiente motivação e autenticidade para ter ideia sobre o essencial.
A dependência à exposição do médico, acrescida da vulnerabilidade, deve ser filtrada pelas próprias formas de pensar, analisando o paciente com atenção informações, dados e evidências, organizando tanto para valores e crenças quanto para suas necessidades de saúde. O primeiro slide da primeira aula que tive sobre o direito do paciente a se manifestar sobre a aplicação de um método em medicina era um ventríloquo com seu boneco cortado por um grosso xis vermelho, uma imagem vale mais do que mil palavras.
O significado do procedimento proposto pelo médico pode sofrer efeitos de adequação individual pelo paciente e as inadequações trazem situações de desarmonia entre beneficência e autonomia. No entorno de uma figura redondinha e aparentemente inofensiva de um comprimido que você vai tomar um por dia cinco dias que vai resolver, há um conjunto de possibilidades multidirecionais. O fato de a comunidade médica ter se convencido do uso do método, não é certeza da pronta receptividade e aceitação de cada cidadão renomeado como paciente. Ademais, um não exatamente paciente rejeita ser vacinado e um paciente pode privilegiar convicções religiosas em relação a um benefício terapêutico. A Bioética da Beira do leito interessa-se pelo moto continuum de conjunturas.
 
A dificuldade de o paciente pensar medicina como o médico provocou histórica adesão por confiança – me sinto doente, preciso ir ao médico, ele é quem sabe o que fazer é condicionado (ou era?) desde o pediatra. Um  sentido de subserviência do paciente acrescido do risco de abuso pelo médico sustentou a migração do princípio da autonomia da pesquisa clínica para o assistencial da beira do leito.
O direito à autonomia traz a responsabilidade da interdependência nos cuidados com a própria saúde, ou seja, embute um senso de obrigações. Tanto melhor se a carga moral ficar mais bem afinada possível com a razão e esta, idealmente, estiver alinhada a do médico. Algo como o paciente absorver e metabolizar como também sua legítima vontade o “comando” do médico. É um processo cujas etapas modificam-se constantemente ao longo do tempo do atendimento. A genuína autonomia do paciente reconstrói-se continuadamente balizada pela responsabilidade com sua autenticidade, e, portanto é exigente das habilidades cognitivas.

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