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875- Auto segunda opinião

DS1DS2A beira do leito contemporânea convive com evidências científicas e com opiniões de especialistas aplicadas  segundo diretrizes organizadas por sociedades de especialidades. Há  uma visão moderna de supremacia de recomendações baseadas em estudos randomizados e metanálises, bem como, em menor escala, de estudos de coorte qualificados e certos estudos observacionais. Todavia, não é baixa a participação do  nível de evidência C  por opinião de especialista baseada em experiência clínica. Inclusive, os textos de diretrizes clínicas destacam que opinião de especialista não significa recomendação fraca pois pode haver um claro consenso que um teste ou uma terapia sejam úteis ou efetivos para certa circunstância. Acresce que concepções de pesquisas clínicas costumam eliminar conjunturas frequentes para facilitar a objetividade nas conclusões, restringindo a representatividade da evidência no mundo real da beira do leito de tantas comorbidades.

A aplicação dos princípios da beneficência e da não maleficência requer atenção a perspectivas do caso que possam influenciar a aplicabilidade das recomendações de diretrizes clínicas na beira do leito. Há um aprendizado em serviço. As condutas formatadas idealmente com maior potencial de benefício e menor de malefício são repetições, comumente e, por isso, passíveis de constantes aperfeiçoamentos no modo de utilização. O médico reproduz (re-produz, de novo e com mexidas no ajuste fino) conclusões validades de pesquisas clínicas ou replica (re-aplica) sua experiência pessoal – ou do Serviço- com graus variados de superposições entre entre dois substratos.

Há situações clínicas onde o progresso da beneficiência conseguiu forte ligação a pesquisas sobre detalhes etiopatogênicos, como num determinado subtipo de tumor, onde o passo-a-passo é pouco opinativo e há situações clínicas onde a beneficência é presumida pela experiência de fato vivenciada, até por carência de evidências científicas sistematizadas. A arte de aplicar ciência persiste fator de sucesso clínico.

Décadas de profissão ao me permitirem vivenciar o desenvolvimento prático da medicina baseada em evidências não me autorizam demonizar condutas baseadas em experiência. Cada caso é único e impede a generalização, evidentemente respeitando as molduras éticas, morais e legais.

Há uma elasticidade nas condutas na beira do leito por mais rigidez tecnocientífica que se considere, haverá sempre alguma influência de possibilidades cogitáveis, de algumas surpresas, de eviências conflitantes, e mesmo de contraposições do paciente provocadoras de ajustes. A eticidade do ajuste carrega a dependência de uma opinião sobre flexibilização do uso de evidências. A não maleficência é fiscal atento do preço do benefício sobre a qualidade de vida.

Há uma composição que o médico não pode modificar na sua organização mental sobre o caso, são os sintomas e os sinais – a propriedade clínica do paciente-, considerados aqueles sinceros e estes (exame físico e complementares) bem captados e bem interpretados. Mas, curiosamente, esta exata composição descritiva e causal de fatos e dados é que precisa ser modificada por uma estratégia de conduta, onde devem incidir os princípios da beneficência e da não maleficência. A Bioética da Beira do leito alerta que, idealmente, ambos unidos pela prudência.

Pelo seu profissionalismo, o médico no processo de desenvolver conduta terapêutica necessita se aproximar da verdade, afastar-se de cogitações que se mostraram falsas, direcionar-se para certezas. Os verbos empregados dão ideia de ao redor, não exatamente do seu encontro, pois ele tem que desfazer muitas dobras pois a complexidade domina qualquer relação entre verdade e certeza na beira do leito.

Aprendemos que puras verdades em doença como a clínica que se manifesta e a prevenção por vacinas são difíceis de predominar na mente profissional sob pena de induzir a erros de interpretação. As indeterminações habitam cada caso por mais simples e considerá-las é fator de evitar imprudências.

Evidência científica reduz as incertezas sobre a aplicação dos princípio da beneficência e da não maleficência, mas elas não podem ser totalmente eliminadas. Por isso, opinião do médico não é antônimo de verdade científica na beira do leito – não é sinônimo de achologia. Vale dizer, a opinião da experiência de fato vivenciada, especialmente na sala de aula chamada de beiro do leito persiste um valor na beira do leito. Benefícios da opinião não são ilusões, mas, obviamente podem ter sido obtidos não por causa do método, mas apesar dele, razão para o valor da estatística aplicada a estudos sistematizados, lembrando, todavia que o nível de confiança é diferente de 100%.

Angústia e dúvida determinadas pelas heterogeneidades fisiopatológicas e de realização individual do potencial terapêutico habitarão sempre a beira do leito por mais que recomendações IA possam vir a ser maioria.  A discussão é, habitualmente, necessária em alguma fase da conduta, o que dificulta uma visão de verdade na conduta terapêutica, haja vista que a verdade é coercitiva. Se a evidência científica considerada para uma pluralidade de pacientes sob mesma condição poderia ser alinhada à verdade racional, as individualidades da condição articulam-se com verdades factuais das circunstâncias que impedem “tem que fazer assim” e acionam o raciocínio clínico, ou seja, um modo profissional de pensar.   

O médico contemporâneo aplica a evidência científica sem poder dispensar incertezas porque ele sabe que beneficência não garante o benefício e que não maleficência não  preserva o paciente de um dano. Ele tem que prover pensamentos nômades, movimentações de necessárias interpretações, opinar, enfim. Em outras palavras, evidências científicas não eximem o médico de sucessivas auto segundas opiniões.

 

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