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871- Linguagem e Bioética (Parte 4)

Os militantes em Bioética equipam-se  para lidar com a inquietação do biótico no ecossistema da beira do leito. Eles mostram-se intelectualmente sensíveis para acrescer conhecimentos e ideias a partir de  suas atividades profissionais habituais à visão da ética da vida dos limites de suas personalidades.

A Bioética da Beira do leito valoriza a proximidade de bióticos como antítese da indiferença humana, considera-a facilitadora de percepções e medições de contraposições e catalizadora de ressignificações na beira do leito.

A Bioética da Beira do leito enfatiza que conexões médico-pacientes representam movimentações de desejos, vontades que precisam ser compreendidas pelo desenvolvimento de ideias a fim de gerar preferências e culminar com juízos de concordâncias ou discordâncias. Não é incomum ouvir-se na beira do leito: eu compreendo a vontade do paciente, mas ele não faz ideia do quanto concordar com a sua preferência seria prejudicial.

Um Comité de Bioética organiza-se como uma comunidade de interpretação que mescla peculiares pensamentos multiprofissionais e produz uma linguagem híbrida por sintaxes, semânticas e razões sociais e culturais transdisciplinares. Há um dialeto e muitos sotaques entre seus membros. Eu por exemplo, ao manejar a linguagem da Bioética, combino inserções aprendidas de membros profissionais de outras competências como psicólogos, advogados, assistentes sociais, religiosos, gestores, bem como de médicos e, inclusive de paciente.

A Bioética da Beira do leito entende que na verdade a linguagem que o médico usa para esclarecer o paciente já embute alguma linguagem de Bioética, meio natural, meio aprendida na beira do leito. Os ativistas  da Bioética, evidentemente, têm um vocabulário mais abrangente em sintaxes e mais aprofundado em semântica.

A qualidade deste hibridismo de linguagem da Bioética é essencial para os entendimentos com os infinitos pensamentos de interpretação dos pacientes/familiares, ou seja, para capacitar o leigo a conexões e concordâncias com o conhecimento da medicina e ciências da saúde em geral de que necessitam.

Pacientes têm alguma parcela de conhecimento intuitivo, ou seja, “já fazem ideia” independente da intervenção profissional, mas, a maior parte refere-se ao conhecimento demonstrativo, aquele cuja receptividade necessita da ajuda profissional.

Desta maneira, as ideias mais simples ou mais complexas a serem verbalizadas pelo médico ao paciente precisam ter alto grau da clareza que dá nitidez, da distinção que proporciona a correspondência exigida, da realidade alinhada às evidências tecnocientíficas e da veracidade com aspectos morais, éticos e legais. A linguagem transdisciplinar da Bioética persegue a idealidade de comunicação que mistura evidência científica, direitos humanos, qualidade de vida, prognóstico, normas e leis e muito mais.

As ideias profissionais transmitidas pelo médico precisam transformar-se em ideias do paciente num contexto que inclui representações mentais do bem, do (não)mal e da liberdade de opinião. Em outras palavras, aspectos da Bioética principialista como beneficência, não maleficência e autonomia constituem matéria-prima da comunicação na beira do leito. Por isso, nos conflitos entre médico e paciente, a linguagem “cheia” da Bioética pode ser útil para  integrar experiências exteriores e interiores bilateralmente, sendo mais sensível para reconhecer tipos de ajustes nos focos  da percepção e da reflexão na conexão médico-paciente.

As ideias que acontecem na conexão médico-paciente no decorrer do processo de tomada de decisão envolvem-se com o histórico valor social da medicina ao girarem em torno dos princípios da Bioética, ou seja, repercutem a tradição da medicina em seu ponto de partida: o primum non nocere de Hipócrates (460 ac-370 ac).Primum

Primum non nocere há 26 séculos lembra o médico de que no intuito de fazer o bem, ele acautele-se para não fazer o mal, portanto reverbera beneficência e não maleficência.Historiadores ensinam que o escrito por Hipócrates era mais extenso: “ἀσκέειν, περὶ τὰ νουσήματα, δύο, ὠφελέειν, ἢ μὴ βλάπτειν” (acerca das enfermidades, ser útil ou não prejudicar), que Lucius Caecilius Firmianus Lactantius (240-317) inverteu a ordem: “Primum est enim non nocere, proximum prodesse” (antes não prejudicar, depois  ser útil), provavelmente por influência da moralidade judaico-cristã e,  mais tarde,   houve a simplificação para primum non nocere.

Neste século XXI, o non nocere está atual porque inexiste iatrogenia zero e o primum ainda persiste em muitas circunstâncias, quer na representação mental de um risco proibitivo pelo médico, quer na representação mental do paciente que não cumpre a prescrição após ler as adversidades na bula do medicamento.

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