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870- Linguagem e Bioética (Parte 3)

O abiótico do ecossistema da beira do leito inclui métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos. Diretrizes clínicas nos últimos 40 anos têm dado certa padronização de indicação e aplicação com base em evidências científicas. O médico entende que guiar-se em diretrizes clínicas beneficia o paciente, mas, ao mesmo tempo, ele está diante de um ser humano que precisa entender, minimamente que seja, a estratégia recomendada e apreciar se deseja se submeter.

As diretrizes clínicas proporcionam uma sensação de clima seco tendente ao frio sem grandes oscilações térmicas e ventos fortes, sujeito a chuvas e trovoadas pela natureza humana, no ecossistema da beira do leito. Como elas oxigenam o clima organizacional da beira do leito facilitam dar fôlego contra anóxia clínica, contra sufoco diagnóstico e contra rarefação prognóstica.

Todavia, respirar diretrizes clínicas expele dióxido de carbono e, ipsu facto, riscos de hipercapnia e embotamento do senso clínico. Por isso, o excesso de aplicação de diretriz clínica pode poluir o ambiente da beira do leito, reduzir a irradiação da humanização e produzir furos na camada de proteção da ética médica.

Leitor de diretriz clínica é autor na beira do leito. A Bioética da Beira do leito admite seis analogias como guia tecnocientífico para a aplicação ética:

Analogia 1- Receita de bolo: A diretriz clínica relaciona ingredientes e manejo, mas “por a mão na massa” exige expertise. Assim, uma diretriz como bolo de caixinha tende a desprezar a participação do paciente na decisão e desconsiderar eventuais necessidades especiais.

Analogia 2- Trocar uma lâmpada: A diretriz clínica oficializa certas obviedades que são intuitivas classificando como nível de evidência C (opinião de consenso de especialistas), ou seja, não justifica um estudo randomizado que soaria como avaliar a utilidade e eficácia da seqüência: pegar uma escada, posicionar a escada debaixo da lâmpada, buscar uma lâmpada nova, subir na escada, retirar a lâmpada queimada e colocar a lâmpada nova. Acentua que um clínico altamente informado e treinado pode praticar o conteúdo equivalente de uma diretriz sem nunca ter, de fato, recorrido ou aderido a elas.

Analogia 3- Arte do ventríloquo: A diretriz clínica fala com a voz da literatura, médicos podem falar com a voz da diretriz, o que significa eticamente que em situação de mau resultado clínico culpar a recomendação da diretriz é como culpar o boneco.

Analogia 4- Efeito Peter Pan: A diretriz clínica caso aplicada com envolvimento e comprometimento superficiais inibe tanto a plena responsabilidade, quanto o crescimento da capacitação clínica em função de um processo padronizado e automatizado de obediência a uma liderança convencionada.

Analogia 5- Comportamento Flauta Mágica: A diretriz clínica pode ser o som que “elimina os ratos” ou o som que “faz desaparecer as crianças”, dependendo de variáveis intrapessoais e interpessoais.

Analogia 6- Efeito Camaleão: A diretriz clínica precisa se integrar a circunstâncias clínicas e a aspectos ambientais determinados pelo sistema de saúde. A analogia vai além deste folclórico mimetismo pela troca da pele, ela inclui a flexibilidade de modo mais amplo, com aspectos de liberdade, quando se recorda que o camaleão tem movimentação independente dos olhos.

O equilíbrio do ecossistema da beira do leito exige calor humano, umidade ética e brisa bioética. O terceto é essencial porque cada método em medicina tem um peso de benefício e um peso de malefício a serem postos na balança da humanização.

A preocupação do médico em evitar danos aos pacientes remonta a Hipócrates (460ac-370ac) com o seu primum non nocere e persiste atual com o princípio da não maleficência. A Bioética da Beira do leito contribui para reforçar que não existe iatrogenia zero. Num iminente risco de morte evitável, eventuais danos são plumas ante as pesadas medidas beneficentes e são chumbo no niilismo terapêutico.

A Bioética dita principialista necessita do olhar crítico da Bioética para a preservação da atmosfera humana na beira do leito. Das combinações entre a beneficência que recomenda, a não maleficência que alerta e a autonomia que autoriza, a beira do leito é uma escala que vai desde céu de brigadeiro até chão de braseiro.

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