PUBLICAÇÕES DESDE 2014

863- ANIDRA

A Bioética da Beira do leito esforça-se para evitar que a Bioética seja considerada uma torre de marfim, uma intelectualidade distanciada  do compromisso social.

A Bioética da Beira do leito parte da premissa que a complexa integração do biótico e abiótico no ecossistema da beira do leito faz com que cada caso clínico tenha, invariavelmente, algum desajuste em contextos morais, éticos e legais.

Qualquer mergulho nos meandros dos atendimentos encontrará algum aspecto passível de distintas interpretações. Assim, a Bioética da Beira do leito entende essencial o treinamento sobre limites aceitáveis acerca das realidades para todos aqueles que cuidam de pacientes na beira do leito, vale dizer, sobre excelência, não exatamente sobre perfeição.

As Oficinas de Bioética objetivam, justamente, a reciprocidade da Bioética com o mundo real da medicina e ciências da saúde de modo geral. Elas valorizam o vigor intelectual e a sensibilidade humana necessários para abordar  e encaminhar soluções para desacordos comuns  e incomuns entre tecnociência e humanismo.

Enquanto que a tecnociência tem molduras organizadas para um coletivo, a condição humana produz infinitas combinações de personalidade, caráter e temperamento que influenciam a saúde individual e coletiva e alinha-se a individualidades de opinião sobre promoção da saúde e reversão da doença. A inexistência de desajustes, é, portanto, utópica.

Naquele mês foi uma Oficina de Bioética pesada, daquelas que só não exaure as sinapses porque os neurônios cerebrais estão bem condicionados a situações de alta intensidade reflexiva, desafios à razão e  fortes emoções.

Um único slide deu início à reunião:

3perguntas

A Bioética da Beira do leito criou o acrônimo ANIDRA  – Atitude de Não Interferência na Decisão por Razões de Autonomia que foi aproveitado para dar uma plataforma às discussões.ANIDRA

ANIDRA não deve ser desconsiderada na beira do leito alegando que um Não consentiemento é uma irracionalidade do paciente e que representa algum tipo de impedimento ao seu bem-estar e, assim, justificar o paternalismo. Eventuias fatores como influências nocivas de terceiros, efeitos de álcool ou droga ilícita, bem como depressão precisam ser comprovados e avaliados quanto ao grau de impacto na capacidade de autodeterminação do paciente.

O termo interferência carrrega na conexão médico-paciente o sentido de um poder de influência tanto pela informação necessária e obrigatória como substrato de conhecimentos quanto na manifestação da decisão (este o sentido presente na ANIDRA) exigente de salvaguardas ao abuso de autoridade.

Uma segunda rodada de esclarecimentos após um Não consentimento não necessariamente é uma interferência na decisão, ela, é mais habitualmente motivada por uma natural falta de neutralidade do médico ético – leia-se uma afirmação de não indiferença-, podendo ser entendida como ainda imparcialidade. Corresponde à interferência no conhecimento que não desrespeita a consideração que ANIDRA é superior a razões de bem-estar (qualidade de vida) na óptica externa ao paciente.

Atitudes de coerção, proibição ou burla correspondem a interferências inaceitáveis moral, ética e legal, exceto numa emergência, ou seja no risco iminente de morte evitável como expresso no nosso Código de Ética Médica. Corresponde à interfrência na decisão do paciente e que considera que a ANIDRA não deve ser respeitada.

Questão 1 Consentir é aceitar o paternalismo?: Paternalismo na beira do leito na concepção da Bioética da Beira do leito aplica-se quando o médico que pretende beneficiar (soa uma obviedade) o paciente tem um julgamento negativo sobre a decisão manifesta – não consentimento. Ele decide insistir e pode fazer como uma nova rodada de esclarecimentos idealmente ajustada a uma compreensão da negativa do paciente, o que representa o paternalismo brando e não desrespeita o direito à autonomia. Por outro lado, o médico pode enveredar para uma posição de violência, o que significa a ameaça ao direito à autonomia pelo paciente e caracteriza o paternalismo forte, que é intolerável. Todas estas considerações  desembocam na resposta: Consentir não é aceitar o paternalismo, ou seja o paciente consentir é aceitar as informações (interferência apenas informativa) como justificadas para o próprio bem-estar mesmo que faça num segundo tempo e não exatamente aceitar sem nenhum filtro autônomo a decisão técnica do médico. É o modelo de situação desejável.

Questão 2- Não consentir desrespeita o princípio da não maleficência? Usando a lógica, não consentir opondo-se a não maleficência pode ser entendido como consentir com a maleficência (potencial de danos). O significado prático é que o paciente que não consente com a recomendação do médico assume a responsabilidade pela ANIDRA. Portanto, a resposta é não desrespeita qualquer contemporaneidade do primum non nocere, pois ANIDRA está equivalente ao peso de desejos/preferências/valores/objetivos do paciente.

Questão 3- Consentir como responsável é paternalismo? Supondo não a situação de um responsável por menor de idade mas por adulto que perdeu a capacidade de autodeterminação e que conhece bem como o paciente se comportaria, a resposta requer atenção ao significado de paternalismo na beira do leito pela Bioética da Beira do leito: É termo aplicável quando o médico que pretende beneficiar (soa uma obviedade) o paciente tem um julgamento negativo sobre a decisão manifesta – não consentimento. Portanto, cabe a resposta não é paternalismo porque a interferência é tão somente pela informação. Caso o responsável – um intermediário entre médico e paciente- não conheça tão bem o paciente, o consentimento pode ter mais um cunho utilitário, mas que não justificaria uma oposição a ANIDRA. Todavia, há que se preocupar com a situação onde o responsável põe um peso pessoal acima do ajustável ao paciente, algo como obrigar o paciente a fazer o que não consentiria em fazer, mas que fica meio nebuloso porque coincide com o que o médico entende que é benéfico para o paciente.

COMPARTILHE JÁ

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Telegram
Compartilhar no WhatsApp
Compartilhar no E-mail

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POSTS SIMILARES