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855- Vir(Ati)tudes- Parte 5

OctetoTodos já ouvimos expressões como o doutor tem faro clínico, seu olhar de lince capta tudo, é um cobra na especialidade. São elogios, motivos de admiração, destacam a imagem profissional à antiga. IndiceSponvilleUm saudosismo sobre o poder de observação dos profissionais da saúde que valoriza a natureza através dos instintos dos animais ditos irracionais.

Neste contexto de comportamentos a serem imitados, a história da medicina registra a origem da percussão propedêutica a partir da verificação do nível do vinho em barris e a degustação da urina para verificação de glicosúria após a percepção  que formigas apareciam em locais com urina de diabéticos. Facies leonina, lupus, dose cavalar, rato de hospital reforçam a participação. A cereja do bolo destes valores positivos da linguagem figurada é o paciente qualificar o médico como animal.

Pulando do animal para o mito, uma lenda grega sobrevive e nos conta sobre Narciso. Uma jovem chamada Eco apaixonou-se por ele, e, rejeitada, se suicidou. Narciso foi punido a se apaixonar pela própria imagem. No século XX, o mito inspirou Sigmund Schlomo Freud (1856-1939) a desenvolver o conceito do narcisismo.  Ele de certa forma compensa o ser humano da falta do aparelhamento instintivo dos animais e pode provocar o ato bom de um cão São Bernardo (narcisismo benigno) ou o ato mau de uma fera (narcisismo maligno).

Profissionais da saúde apreciam uma imagem de si próprios e porque não? Eles admiram as competências profissionais que tanto custa para adquirir e manter, mostram paixão pelo que fazem, refletem o próprio esforço,  representação suficiente para o contexto do profissionalismo e que é autolimitada por demarcações éticas: É vedado ao médico permitir que sua participação na divulgação de assuntos médicos, em qualquer meio de comunicação de massa, deixe de ter caráter exclusivamente de esclarecimento e educação da sociedade (art. 111 do Código de Ética Médica vigente).

Quem não deseja prestígio no meio que frequenta e preponderância na atuação? É triste um espelho profissional sem imagem. O narcisismo benigno na beira do leito é estimulante, gerador de confiança, orgulho mesmo, e compromete-se com uma historicidade que remonta a Hipócrates (460ac-370 ac). Exige, outrossim, do profissional  da saúde a conscientização das suas obrigações pelo domínio, o reconhecimento que a posse dos saberes deve ser harmonizada com os compromissos e responsabilidades da utilização eficiente e socialmente útil.  Caso contrário, arrisca-se ao narcisimo maligno aquele em que o entendimento próprio (do profissional da saúde) tem que ser necessariamente o entendimento do outro (paciente), se preciso, por imposição de forma coercitiva. A mensagem fica clara: preservar os limites do narcisismo benigno quando se dispõe da medicina e das ciências da saúde em geral articula-se com a bagagem dos valores pessoais e profissionais.

A Bioética da Beira do leito enfatiza que a bagagem dos valores dos profissionais da saúde para pensar, sentir e atuar tem uma matriz pré-profissional. Ninguém entra na faculdade sem ter tido múltiplas experiências interpessoais com família, escola, amizades, em viagens, influências da literatura, cinema, teatro, jornais, televisão, etc… Da faculdade em diante, componentes profissionais são acrescidos e ajustam o pensamento ético, amadurecendo de acordo com as responsabilidades da profissão.

Juramos à formatura que seremos virtuosos e ao mesmo tempo recebemos um número do conselho da profissão que articula à deontologia, a ciência dos deveres, ao texto de um Código de Ética. Por exemplo, um mesmo caráter pré-profissional respeita o sigilo profissional e prescreve informando e justificando ao paciente a fonte científica caso tenha se formado médico ou, então, faz ao contrário, revela segredos de interesse público e não revela a fonte caso tenha se formado jornalista.

Ambos precisam desejar e habilitar-se a bem fazer os deveres intrínsecos a suas profissões, não basta eles estarem escritos e suscitarem eventuais penalidades pelo descumprimento. Daí o valor da continuidade passo-a-passo desde o núcleo pré-profissional –  ninguém nasce virtuoso, tornamo-nos virtuosos- catalizada pela moral e pela educação. Infelizmente, há maus exemplos e tentações, pedras do caminho que reforça a necessidade da constante observação crítica. Aí o bicho pega e pode dar zebra!Bicho

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