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842- Talvez e bom senso na ética da beira do leito (Parte 9)

Conformidades éticas na contemporaneidade da beira do leito incluem esforços de integração de familiares do paciente às ordenações tecnocientíficas. Inquietações humanas acontecem tanto em situações de mais observação quanto naquelas com participação mais ativa.

Muito embora o Código de Ética Médica vigente pouco oriente o médico sobre comportamentos com familiar do paciente capaz, o entendimento habitual é que o familiar do paciente é parte integrante do ecossistema da beira do leito com responsabilidades, interdependências e motivadores de superações na maioria dos casos.

Por outro lado, conflitos acontecem, especialmente, porque gerações distintas em mesma família tendem a comprometer a unanimidade, muito embora patriarcados e matriarcados existam e se impõem.

Bioamigo, imagine a cena nada rara: O médico exerce o seu esperado papel de integridade moral na beira do leito, explica a conduta recomendável e após diálogos que provocam alguns ajustes, aguarda o consentimento do paciente num cenário com a presença de familiares íntimos do paciente. É uma condição clínica que reforça o quanto  tempo é prognóstico e a comunicação complexa apesar de ter sido jeitosa tem recepções desiguais. Mundos próprios coexistem, desafiam a homogeneidade e diversificam o entendimento da validade tecnocientífica. Convivem expectativas de contentamento e de decepção. Talvez agiganta-se com letras exuberantes e faz todos seus reféns.  O médico mergulhou as explicações e reexplicações em medicina, mas nem todos estão permeáveis. Por isso, o talvez incidente em familiares é causa contemporânea e crescente da ansiedade ética do médico. O consentimento do paciente autoriza, mas seu entorno pode ser frágil e mostrar-se quebradiço numa evolução indesejada.

A questão costuma dominar no sentido família-paciente. Todavia, há o sentido oposto, o quanto o paciente pensa na família para tomar uma decisão, ou seja, como um Sim ou um Não à recomendação médica irá afetar a família em termos práticos, como aspectos financeiros ou como se tornar uma carga de cuidados. Evidentemente, há diversidades de natureza cultural, socioeconômica e religiosa e vale muito quando o médico conhece o conjunto familiar há algum tempo.

Não faltam dúvidas éticas recorrentes: A presença habitual de membros da família no quarto de internação do paciente significa, por exemplo, que não há quebra do sigilo quando médico faz esclarecimentos sobre a doença ao paciente na frente dos familiares? O médico deve aceitar falar em particular com algum familiar que está sempre presente sem pedir a permissão do paciente? Na divergência de opinião sobre consentimento entre familiares, o médico deve simplesmente respeitar a do paciente? O bioamigo que frequenta a beira do leito há de repassar muitos casos pela memória, cada qual com suas peculiaridades e angústias.

Reforçando que o Código de Ética Médica vigente não é explícito sobre a participação da família em relação ao princípio da autonomia envolvendo o paciente capaz, a influência da mesma não pode ser anulada em nome de uma supremacia incontestável da voz do paciente. Desafia habilidades.

Por outro lado, uma ideia de aliança médico-paciente para um eventual enfrentamento da família na contramão de um consentimento livre e esclarecido é passível de crítica e sujeita a cefaleias subentrantes e refratárias a analgésicos éticos. Não se pode negar, contudo, que apesar da demolição por implosão ainda restaram alguns tijolos em pé do conceito do temor da presença de familiar do paciente como uma vigilância danosa dentro dos limites do respeito. Resquícios são alvo de iniciativas de reversão pela Bioética da Beira do leito.

A  complexidade das relações familiares e seus impactos sobre o processo de consentimento do paciente capaz sob a óptica de interesses e direitos interessa a Bioética da Beira do leito. Conta muito na atitude do médico o valor que ele dá à abertura ao desconhecido/imprevisível à tolerância a opiniões contrárias. A sua compreensão sobre os talvezes dos familiares facilita amenizar desarmonias no contexto médico-paciente-familiar, afinal compreender é empatia que não significa mudança da própria opinião. Assim como inexiste perfeição a não ser no conceito, o médico não deve exigir-se em harmonia perfeita com o ecossistema da beira do leito.

RosaJuntemos  numa só mensagem qualquer um pode amar uma rosa, mas é preciso um grande coração para incluir os espinhos de Clarice Lispctor (1920-1977) com o fascínio da procura de uma rosa sem espinhos nunca está muito longe de Zygmunt Bauman (1925-2017). É contribuição da Bioética da Beira do leito para o jovem médico conscientizar-se que sempre encontrará espinhos humanos em qualquer mar de rosa tecnocientífico.

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