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833- Difícil parar de cortar (Parte 3)

A alta conotação moral da visão em 3D (Dilema, Desafio, Dúvida) para o médico responsável pela situação de urgência ganha acuidade quando articulada aos pilares da transdisciplinaridade (complexidade, níveis simultâneos de realidade e lógica do terceiro incluído).

Em primeiro lugar, a soma das morbidades – crônicas e agudas- do caso determina um entrelaçamento fisiopatológico que faz o todo exceder as adições, uma característica da complexidade.  Na beira do leito, aplica-se, habitualmente, o dito pelo filósofo e matemático inglês Alfred North Whitehead (1861-1947): Não busque simplicidade se não puder dela desconfiar. No caso em questão não há trabalho para desconfiar de simplicidades porque elas inexistem. Ele reúne série de dobras com resistências dramáticas aos desdobramentos necessários para se chegar a uma tomada de decisão. Subsequentes incertezas energizam as forças em contraposição e exigem máxima prudência do médico responsável pela situação de urgência perante cada composição de potencialidades benéficas e maléficas cogitáveis. Porque o raciocínio clínico fica tão complexo quanto o caso, desenvolve-se uma sui-generis aliança transdisciplinar entre autonomia do profissional que chega ao caso e tudo que é representante do histórico da atenção à saúde do paciente.

Em segundo lugar, a influência vinda de trás (em analogia à parábola citada na parte 2, os médicos das morbidades crônicas esperando providências resolutivas da urgência) representa o passado, a tradição da medicina que aciona a memória atávica do profissionalismo médico e portanto, também a do médico responsável para cuidar da urgência. Já a influência pela frente motiva a imaginação deste médico responsável para cuidar da urgência que projeta o futuro como razão maior da decisão a ser tomada. Em outras palavras, a memória do conhecimento sobre situações análogas de urgência, qual uma viagem de recordação de experiências vivenciadas, fornece matéria-prima para a imaginação antecipar eventualidades. Verifica-se, pois, um  sentido de continuísmo entre memória e  imaginação que tem o magnífico dom de possibilitar o médico responsável para cuidar da urgência a se situar em dois níveis simultâneos de realidade. Para honrar a prudência numa situação de alto potencial de danos, inclusive letais, ele, ao mesmo tempo enxerga a realidade presente (de olhos abertos) e visualiza (de olhos fechados) cogitações de efeitos de estratégias de conduta. A Bioética da Beira do leito valoriza o pilar da transdisciplinaridade dos níveis simultâneos de realidade PresFuttão afinado com o cotidiano do médico e que possibilita esboçar rascunhos da conduta e os ajustar com o lápis e a borracha da competência (conhecimento+habilidade+atitude) profissional.

Em terceiro lugar, os prós e os contras praticamente obrigatórios  em cada delineamento de conduta exigem do médico responsável para cuidar da urgência conscientizar-se que é impossível uma visão binária simplista de cada método. No tempo qualitativo que reserva para difíceis solilóquios sobre prós e contras, o médico responsável para cuidar da urgência precisa ir além de uma contraposição (A – o impacto do potencial de benefício e não-A – o impacto do risco de malefício) e como na parábola mencionada motivar-se a saltar  acima das influências de frente e de trás e mentalizar-se diante de métodos com A e não-A em xifopagia. Eles afiguram-se, então, quais um bastão de madeira, onde  uma extremidade é beneficente e a outra é maleficente. O médico responsável para cuidar da urgência fica mais à vontade para focar na extremidade do benefício objetivando o retorno às condições clínicas prévias tendo em mente que nunca deixará de existir em cada método cogitável em função das comorbidades a extremidade de malefício. Ele poderá encurtar o segmento de malefícios, mas sabe que cada eventual corte expõe outra extremidade de malefício e, se atuar para erradicar qualquer possibilidade de dano em sucessão furiosa atingirá e comprometerá a extremidade do benefício. A Bioética da Beira do leito entende que a lógica do terceiro incluído aplicada a métodos em medicina- que faz supor um comprimido com duas extremidades, a que reverte o sintoma e a que dá gastrite- contribui para dar clareza comunicativa aos esclarecimentos ao paciente visando ao consentimento ou à recusa.

Os passos-a-passos determinados pela circunstância mórbida apresentada e que atinge os limites e as limitações da medicina, os vaivéns de ideias e pensamentos, as dubiedades sobre beneficência e maleficência, as apreciações conscientes acerca das responsabilidades profissionais, a inaplicabilidade de qualquer sentido de certo ou errado, têm como denominador comum a pluralidade de interpretações dos vários agentes morais que cuidam do caso.

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