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827- Representações de interpretação

doctorResidente de medicina é referência na razão de ser médico. Uma transição que é ao mesmo tempo um estudante sênior e um doutor novato. Um jovem ávido de experiência que representará maturidade profissional a ser exercida numa especialização, no exercício de responsabilidades assistenciais, docentes e/ou de pesquisa.

A Bioética da Beira do leito interessa-se pelos caminhos do desenvolvimento do médico tanto o tecnocientífico quanto o de atitudes no contexto do Pentágono da beira do leito. Pentágono-300x225.jpgAcontece uma metamorfose nas razões e emoções profissionais à medida que o seu número de CRM envelhece na ordenação e que só termina na aposentadoria. Um ser humano fadado à convicção que só persiste o que muda. Uma mudança é a transformação temporal do compreensível, aceitável, tolerável que admite em heterogeneidades de encontros e evoluções clínicas.

Desde calouro da faculdade, há um movimento ininterrupto no pensar, sentir e atuar medicina. Uma construção de versões sucessivas de estar médico arquitetada por convergências e divergências plurais praticamente infinitas, captações de textos pedagógicos e contextos complexos, bem como aprendizados por erros e acertos.

Ouso afirmar, confirmando o exposto, que meu número baixo de CRM representativo de mais de 50 anos de formado testemunha várias fases de estar médico. Elas se caracterizam por não poderem cambiar entre si, pois ou estaria desatualizado ou adiantado numa ficção ainda irrealizável. Os alicerces das fases foram renovados, é verdade, em função de circunstâncias, porém com a permanência de um núcleo que diria entranhado pela minha identidade de pessoa.

Os meus 57 anos completos de aprendiz de médico- nunca deixamos de ser desde que pisamos a entrada monumental da Faculdade da Praia Vermelha- podem ser subdivididos de várias maneiras. Neste momento, hierarquizo a sequência de modos de encarar a conexão médico-paciente influenciados pelas consecutivas e cumulativas posses de bagagem de experiências, que deram ensejo a selecionar o que então era significativo ou não, o que então era inquietante ou não, o que então era aceitável ou não.

Vamos a um exercício hipotético: O leigo que eu estava quando tive o primeiro contato com a medicina através de uma aula de anatomia descritiva teria alguma bagagem para fazer uma conexão com um paciente vivo? Presumo que sim, que disporia da experiência de 18 anos de relacionamentos interpessoais com a família, os professores, os colegas, os amigos, os prestadores de serviços, os circunstantes de vários encontros, bem como de leituras, filmes e entrevistas na televisão. Portanto, acionaria uma diversidade de influxos e teria uma plataforma pré-profissional para o hipotético desafio acima mencionado. Em outras palavras, o embrião de médico está longe de ser um vazio, está conectado a uma nutritiva placenta de vida real. Pegando carona em Stanley Fish (nascido em 1938), ele traz consigo estratégias de interpretação constituídas nas comunidades de interpretação em que viveu até então. Inclui o chamado berço, a cultura e a escolaridade. Será um núcleo para atrair elementos éticos, morais e legais da vida profissional.

Ao longo do tempo, e acelerando a partir da residência médica, segundo o conceito fundamental na medicina que o que se aprende fazendo é fazendo que se aprende, cada médico vai adquirindo matéria prima para renovar estratégias de interpretação no lidar com a conexão médico-paciente, quer pelo pertencimento a novas comunidades de interpretação (uma especialidade, uma área de atuação, um comitê, um comissionamento), quer pelo amadurecimento num mesmo grupo que compartilha propósitos e objetivos. Enfim, metamorfoses de pensamentos, sentimentos e atuações, idealmente, amadurecimento em síntese.

Constatação interessante é que cada nova voz profissional que o médico metamorfoseia e passa a representar uma linha de pensamento, sentimento e atuação, traz tendência a esquecer ou desvalorizar alguns comportamentos específicos da prévia interpretação profissional, assim dificultando a tolerância com colegas, e que também acontece em relação ao passado pré-profissional e que prejudica a compreensão de posturas leigas de pacientes- um mundo de comunidades de interpretação distintas.

Alguns exemplos do impacto de distintas comunidades de interpretação/estratégias de interpretação na área da medicina e no âmbito da conexão medicina-médico-paciente:

  1. Valor da transfusão de sangue (paciente Testemunha de Jeová);
  2. Valor da medicina baseada em evidência versus valor da experiência;
  3. Valor do exame físico versus valor do exame complementar;
  4. Reação do médico ante o não consentimento do paciente;
  5. Descompassos entre utilidade e futilidade terapêutica, prudência e obstinação;
  6. Divergências interdisciplinares de conduta;
  7. Graduação de uma adversidade;
  8. Apreciação de números de corte como, por exemplo, escores de risco;
  9. Desarmonia no valor de fatores de risco de doenças;
  10. Confiança em informações científicas na internet.

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COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Ouso a perguntar: será que os ângulos do pentágono são inertes? nunca passam por distorções angulares no tempo?

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